Um novo dia nasceu. Porém, as nuvens tétricas adiavam a manifestação do sol. Era como se uma força maior desejasse mergulhar aquele princípio do dia no negrume anunciando a cerimónia fúnebre que teria lugar no campo santo Cellios, sítio onde estavam sepultados todos os membros reais de Lithian. Não obstante a hora pouco adiantada, já existiam diversas movimentações para organizar o funeral do rei. Vários homens colocavam em ordem a sala onde sucederia a despedida final. O responsável por tudo seria o padre Ardheus, que se congratulou por mais uma excelente oportunidade de encher os bolsos.
O homem saiu de casa cedo e dirigiu-se para a sala fechada onde já repousava o corpo de Amon. Dois soldados protegiam a porta de entrada. O padre sorriu e deu os bons dias aos dois homens. Estes afastaram-se para permitir a entrada do sacerdote. A porta fechou-se, deixando o padre sozinho com o cadáver. Ardheus sorriu, enquanto tirava um pequeno cantil que carregava escondido no seu paramento. Abriu e deu uma golada forte, limpou os beiços com o seu braço e voltou a sorrir.
- Ó meu amigo! Que fazes aí estendido? Isto aqui é uma bela pinga!
Aproximou-se do corpo inerte e esticou o seu braço colocando a vasilha de vidro em cima dos lábios do rei, tentando que ele bebesse.
- Não queres? – questionou, surpreendido – Olha para isto, estás a deitar tudo para fora. – voltou a beber do cantil – Não te dou mais.
O volume do discurso do padre atraiu a atenção de Elara, que entrou na sala com os dois guardas.
- O que é que se passa aqui? – perguntou Elara incrédula – Bêbado? A esta hora da manhã? Quando vai guiar um funeral de um nobre?
- Também quer? – perguntou Ardheus, amarrando o cantil contra o seu corpo, tentando esconder – É para mim!
- Guardas! Levem-no! Mergulhem-no no rio! – ordenou a princesa – E reza ao teu deus para que saibas nadar! Precisas de água fria para acalmares.
Cada um dos guardas pegou num dos braços do padre e começaram a arrastá-lo da sala.
- Ó minha princesa… – começou o sacerdote – Mais vale um padre bêbado do que uma mulher que pensa que tem o mundo nas suas mãos quando é apenas um títere do destino…
Elara seguiu os sorrisos alucinados do padre, perplexa por aquilo que tinha acabado de ouvir.
No quarto da rainha, Dyniana limpava as mobílias com todo o cuidado para não acordar a sua senhora. Tinha ordens para apenas a despertar quando estivesse tudo pronto para a cerimónia fúnebre. Porém, quando, sem querer, com o seu espanador derrubou uma pequena estátua de madeira os olhos da rainha descerraram-se.
- Perdoe-me, minha rainha, – disse Dyniana – fui uma desastrada.
- Não faz mal. A verdade é que já não me encontrava no meu sono mais profundo. A inquietação que sinto é enorme. Não me permitiria muito mais tempo de sossego.
Alessandra olhou para uma pequena mesa ao lado da sua cama, onde Dyniana tinha por hábito servir-lhe o pequeno-almoço.
- Que papel é este em cima da mesa? – interrogou a rainha – Foste tu que deixaste?
- Não, minha rainha. - respondeu Dyniana, olhando para a mesa, surpresa.
A rainha agarrou o papel e desdobrou-o.
“Rainha! No meio da floresta, na fronteira com o nosso reino, onde os corvos se reúnem e o sol nasce mais devagar estão os seus inimigos! Está o seu filho! Não envie novamente um grupo tão fraco como fez, não subestime tais adversários! Estão mortos! Todos mortos! Se realmente deseja o seu filho de volta organize um grupo com os melhores, só assim ostentará hipóteses.”
Alessandra voltou a dobrar o papel.
- Dyniana – chamou – Procura Rómulo, diz-lhe que esteja na sala do trono dentro de meia hora. É urgente.
- Fria! Fria! Fria! – exclamava Ardheus enquanto tentava sair do rio - Deixem-me sair!
- O que se passava, velho balofo? – questionou um dos guardas – Não gostas de água? É um bela pinga.
- Mergulha a cabeça! – ordenou o guarda que apontava com o seu arco para o padre – É a única maneira de te refrescares.
- A água está gelada! Vou morrer aqui! Deixe-me sair! – apelava o padre.
- Mergulha a cabeça várias vezes e deixamos-te sair. – disse o outro guarda.
- Está bem, está bem. – disse Ardheus conformado.
- Dez vezes! – exclamou o guarda que ameaçava com a arma.
Enquanto o padre mergulhava a cabeça os guardas sorriam e contavam em coro.
- Dez…nove…oito…sete…seis…cinco…quatro….três…dois…dez…
- Como dez? É a última! – gritou Ardheus desesperado.
O guarda atirou, a flecha passou bastante próxima do padre.
- É a última quando nós quisermos. Continua!
- Bom dia, minha rainha. Algo a perturba? – questionou Rómulo, ajoelhando-se perante Alessandra – Em que posso ajudar?
A rainha esticou-lhe o bilhete. O homem leu e olhou para ela perplexo.
- Alguma ideia sobre o facto desse bilhete estar no meu quarto?
- Não, minha rainha. Nenhuma.
- Então, sabes o que quero que faças?
- Que descubra quem foi?
- Obviamente. Foi alguém do interior do castelo. É imperativo descobrir quem entrou nos meus aposentos, quem conseguiu fintar os guardas. Não que eles sejam muito inteligentes, mas são numerosos.
- Mas e o conteúdo do bilhete? – perguntou o guerreiro – Será verdade?
- É muito provável que o seja. O grupo que enviei era apenas carne para canhão. Para ter alguma ideia sobre as forças que enfrentamos. Amanhã organizaremos um grupo para resgatar o príncipe.
- Amanhã pode ser tarde, minha rainha.
- Rómulo – sorriu a rainha – Pensas de facto que iam se dar ao trabalho de raptar o príncipe para o eliminar? Querem um trunfo para defrontar o reino. O que eles deviam saber é que o reino incidirá sobre eles! Será que aquelas pobres almas sabem o que é o inferno?
terça-feira, 21 de abril de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário