sábado, 13 de dezembro de 2008

Capítulo III (Parte II)

Havia algo de negro nos olhos de Soran Fadenbran, enquanto caminhava por entre a multidão agitada, expectante relativamente ao casamento em vias de acontecer. Noutras circunstâncias, a sua figura teria tido no povo um impacto poderoso, levando a que se afastassem para permitir a passagem do seu nobre e imponente vulto. Naquele dia, contudo, o traje de um dos mais importantes lordes do reino não se marcava pelos luxuosos veludos da sua casa, mas sim pelos tecidos vulgares que, ainda que lhe servissem de disfarce, enquanto caminhava pelo meio da populaça, não lhe atenuavam o brilho da beleza que em breve voltaria a ser revelada.
Com um olhar penetrante, Soran percorreu a multidão, em busca dos seus aliados. Precisava de saber que tudo estava preparado, que a sua conspiração não falharia por um erro estúpido. Só depois retomaria as marcas da sua posição social e ocuparia o sue lugar na bancada dos lordes, imediatamente atrás daquele que, além de seu inimigo, seria também o seu alvo.
- Não devia andar por aqui sozinho. – sussurrou, subitamente, uma voz ao seu ouvido, levando a que o lorde se sobressaltasse. Ainda assim, este controlou as suas emoções e, calma e ponderadamente, continuou a caminhar, apercebendo-se então de que a figura que lhe falava se colocava a seu lado.
- Delenia… - murmurou Soran, reconhecendo-a – Andava à tua procura. Tudo está preparado?
A mulher respondeu-lhe com um sorriso perturbador.
- Evidentemente. – disse – Durun e Avalen foram destacados para a guarda das damas reais. Infelizmente, foi necessário que os soldados originais fossem substituídos, uma vez que sofreram um acidente.
Soran acenou, solene.
- Um acidente mortal? – inquiriu.
- Por quem me toma, senhor? – inquiriu Delenia, fingindo-se chocada – Doloroso, talvez. Não creio que se possam aproximar das celebrações nas próximas horas, mas, se isso o preocupa tanto, saiba que estão vivos e que, quando recuperados, não ficarão com sequelas…
- Não troces de mim, mulher! – exclamou o lorde, mantendo a voz num tom baixo, mas nitidamente ameaçador – Os meus pensamentos acerca dos métodos que usas não são para aqui chamados. E tu? Como vais alcançar o jovem príncipe?
Delenia sorriu.
- Eu? – perguntou – Não creio que venha a ter grandes dificuldades com isso. Imagine que uma mulher com a minha beleza se aproxima dos soldados e pede para servir o senhor na cerimónia. Julga que serei recusada?
- Assegura-te de que não o és. – ordenou Soran, peremptório.
O sorriso desapareceu dos lábios da mulher.
- Tudo está pronto. – disse ela – Cumpra com a sua parte que nós cumpriremos com a nossa. E, se bem me recordo, o vosso lugar é junto de lorde Caledon.
Soran assentiu.
- O meu lugar espera-me e não me fugirá, Delenia. Vai, e toma o teu posto, que eu tomarei o meu. Não creio que este… casamento… tarde muito mais em começar.

Sozinho no silêncio da câmara sacerdotal, também Lothian cumpria com a que seria a sua missão. A taça da celebração estava já pronta e o melhor vinho de Lithian enchia o ouro do vaso que tocaria, antes de qualquer outros lábios, os reais lábios de Amon Raven. Faltava apenas um último toque, o rubro fulgor que arrancaria ao arrogante rei o derradeiro sopro da sua vida, deixando apenas a sombra de um corpo inerte e o caos espalhado sobre as ruínas do seu reinado.
Lentamente, o conselheiro percorreu com o olhar todos os recantos da câmara, assegurando-se de que se encontrava sozinho. A mais pequena falha significaria o fracasso e a morte e esse era um risco que ele não estava disposto a correr. Depois, vendo que nenhum dos padres e monges que auxiliariam à cerimónia voltara para trás, aproximou-se, cuidadosamente, da taça da celebração, com a qual, depois de cumpridos os rituais, o senhor de Lithian abençoaria a união do casal.
O pequeno frasco surgiu, como se do nada, na sua mão trémula. Depois daquele passo, não haveria retorno. Era a sua vida que apostava naquele gesto e, por momentos, perguntou-se seria aquela a escolha certa. Quando a hesitação surgia, contudo, havia também uma voz que lhe recordava tudo aquilo que perdera e, mais uma vez, as suas apreensões silenciavam-se sob o peso do desejo de vingança e, naquele momento, foi isso mesmo que aconteceu.
Meticulosamente, Lothian retirou a tampa do frasco e, inclinando-o um pouco, derramou sobre o rubro vinho o líquido mortal. Nesse momento, um breve sorriso escapou dos seus lábios, afogando-se depois sob a austera máscara da sua serenidade habitual. Em seguida, como se prestasse os seus respeitos ao deus que, do altar, presenciara o seu acto, fez uma leve vénia, e afastou-se em direcção ao exterior.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Capitulo III - Parte I

Os corações tremiam à medida que a rainha se aproximava de cada um dos envolvidos na preparação da celebração. Todos sabiam que nenhum pormenor poderia falhar. Nada. Aquela era uma oportunidade única de mostrar ao seu marido e rei o que ela podia fazer por ambos. Afinal, nem todas as batalhas se ganhavam com espadas. Havia algumas, raras, é certo, que se resolviam em dias como aqueles, a demonstração da superioridade e da riqueza, a nobreza no seu melhor, ultrapassando todos os outros reinos como uma mostra de império. Não foi de estranhar, pois, quando, ofuscada pelo sol que brilhava fortemente, a cabeça de um escravo que não tinha cumprido as suas funções apropriadamente rolou, parando mesmo ao lado da sua filha de apenas oito anos. A sua mãe correu apressadamente para lhe tapar os olhos, esquecendo-se ela própria da tragédia perante si. A rainha sorriu, apontando insistentemente para o corpo que, por alguns segundos, ainda se moveu, como se mesmo sem rosto todos os presentes conseguissem sentir o seu sofrimento e desespero…Afinal, tinham sido apenas quatro flores que haviam murchado…quatro flores que custaram a raiz de uma vida.
- O que vos solicitei foi tão simples que até chimpanzés ensinados conseguiriam cumprir, mas mesmo assim encontro tamanhos disparates que, não fosse hoje um dia festivo, enviar-vos-ia a todos para uma arena com leões famintos por tamanha estupidez! – exclamou a rainha – Hoje não tenho prazer algum em mandar cortar cabeças, porque há coisas mais importantes! Mas farei aquilo a que me obrigarem! Não admito tanta disciplicência, tendo eu já explicado há demasiadas semanas o que este dia significa para mim. Estão cá os melhores dos melhores para a organização do casamento, e vocês, insignificantes escravos, servem apenas para remediar alguns trabalhos. Custará assim tanto não serem inúteis uma vez na vida?
Um dos escravos, cansado de tanta humilhação, pegou uma pedra do chão e, sem reflectir, atirou-se em direcção da rainha, porém encontrou a espada de um dos soldados que perfurou o seu corpo. O escravo caiu de joelhos, cuspindo sangue em cima dos sapatos da rainha. Irada, Alessandra deu um pontapé na cabeça do escravo que respirava os seus últimos fôlegos.
- Tirem estes malditos corpos daqui! – ordenou aos soldados - E vocês, – olhou para os restantes escravos com repugnância – cumpram o que vos foi exigido ou amanhã será um belo dia para os leões. E garanto-vos que a carne humana é dos almoços favoritos deles.
A rainha afastou-se, cercada pelos seus guardas, diante do olhar assustado dos vários prisioneiros.
- Minha rainha, – disse um dos guardas – dentro de momentos devem começar a chegar os vários convidados para a cerimónia. Devemos estabelecer desde já o perímetro de segurança?
- As horas estão a passar demasiado depressa. – desabafou a rainha - Sim, soldado, quero o castelo todo cercado. Não quero surpresas desagradáveis neste dia. E acredito plenamente que tu não queiras nenhuma amaldiçoada “bênção” do rei pelo crepúsculo do dia seguinte caso o casamento não corra como o planeado.
- Às suas ordens, minha rainha. A nossa força tudo fará para que nada corra mal.

No quarto, Adhemar acordava aos poucos, ainda zonzo devido à agitação da noite anterior.
- Maldito vinho do pecado, – disse, sorrindo e deixando-se cair de novo na cama – pecado suave e delicioso como Ceres. Ah, selvagem mulher que me fazes perder a descompostura. Libertas o que de animal resta em mim.
Gälart entrou, esfregando os olhos.
- Preparado para a grande cerimónia, meu querido primo? – perguntou, bocejando – Não a podes adiar para mais tarde? Mais umas horas na cama não nos fariam nada mal.
- A ti não. – sorriu o príncipe – Deve ser complicado tomar conta de duas delas.
O primo soltou uma gargalhada.
- Falas como se nunca o tivesses feito.
- Pois, meu primo, – começou Adhemar, levantando-se da cama – nem quatro mulheres juntas seriam como Ceres.
- Que romântico, Adhemar… – afirmou Gälart – Começo a cogitar que, fosse Ceres a tua noiva hoje, e este casamento significaria mais do que aquilo que é.
- Seria cama. Não que desgoste de Ísis, mas é demasiado recatada para mim.
- Recordas-te de Yella? – questionou o primo - Casada, sempre solitária, tímida… Também parecia casta. Até que eu surgi na sua vida, e posso afirmar que dentro do quarto ela era tudo menos púdica.
- Efeitos da poesia. – ironizou Adhemar enquanto se vestia. – É melhor saíres agora, tenho que me preparar. A minha mãe deve estar por aí a aparecer. Anda um poço de nervos com esta cerimónia. Até parece que é ela que vai contrair matrimónio.
- E a tua mãe encolerizada… – sorriu Gälart abrindo a porta do quarto para sair – É melhor sair da frente.
- É mesmo, meu primo – sorriu o principe – Até já.

- Está tudo a correr como previsto? – interrogou Elara – É por hoje que temos perdido tanto tempo…Se alguma coisa falha…
- A rainha pediu agora para serem cobertas todas as entradas para o reino. – explicou Rómulo. - Mas obviamente que isso não nos interessa. Os arqueiros já cá estão. Encontram-se perto da fonte real. Quando chegar a altura subirão as torres. Eu sei como distrair os guardas das entradas.
- O melhor que nos podia ter acontecido foi a rainha ter-se decidido por um casamento fora de portas. – sorriu Elara - Serão alvos muito mais acessíveis. Espero que os arqueiros não sejam incompetentes. Duas setas apenas mudarão as nossas vidas, e se estas falharem…tudo desabará.
- São os melhores arqueiros do reino. Não se desassossegue. Amanhã por esta hora, o reino será todo seu….
- Assim o espero, Rómulo, caso contrário vou cobiçar a tua cabeça como enfeite de meu quarto.
- E a bruxa? – questionou o soldado – Será que não vai aparecer hoje? Será que não se vai intrometer? Bem sei que a princesa já tratou desse assunto, mas é uma bruxa! Não confio em palavras de magas.
- Nem eu. – sorriu Elara – Porém como te disse antes, confio na sua ganância.

Na sala real, a rainha andava às voltas de um lado para o outro.
- Estão quase a chegar os convidados e metade da família ainda nem se levantou. – suspirou.
- Tenha paciência, minha rainha. Estarão prontos a tempo. – disse uma das conselheiras reais.
- Não há como ter, Dyniana. O meu querido filho foi para as borgas, nem sei em que condições vai acordar. Este casamento não pode ser nenhuma vergonha para a família real.
- E Ísis? – perguntou Dyniana – Estará pronta?
- Quando lá passei estava a vestir-se. Ficará maravilhosa naquele vestido. – afirmou Alessandra.
- Porque não vai ajudar nos últimos retoques? – questionou a conselheira real – Alguém tão bela como a rainha só poderá melhorar a imagem de Ísis.
- Sempre me distraio. – assentiu a rainha, suspirando – Anda comigo.
Tal foi a surpresa da rainha e da sua conselheira quando Ísis não estava em seu quarto…
 

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