terça-feira, 24 de março de 2009

Capitulo V (Parte I)

A noite apertava. O grupo liderado por Lydro acelerou o passo. Era demasiado importante recuperar o príncipe ainda naquela noite.
- Mal vejo onde coloco os meus pés. Seria melhor voltarmos para trás enquanto não é tarde demais. – sugeriu Cäal.
- Se quiseres que a rainha te corte a cabeça…. – suspirou Gälart , também fatigado.
- Mas, será possível que ainda tenhas esperança de encontrar o que quer que seja? – questionou Cäal.
Um possível novo confronto entre os dois foi interrompido quando um corvo começou a sobrevoar o grupo aos círculos.
- Sinal de morte! – exclamou Lydro. – Devemos voltar imediatamente.
- Perdoa a minha insensatez, – sorriu o primo do príncipe – mas há um corvo que nos espera bem pior que aquele que se encontra por cima de nós. Um corvo que não é apenas prenúncio de morte. É a própria morte! Desejais, então, voltar? Pois, assim o seja. Voltai. Eu fico. Só me atrevo a colocar os pés no castelo na companhia do meu primo.
- Insignificante! – exclamou Cäal, furioso - Não durarás cinco minutos sozinho na floresta.
- A minha morte será menos dolorosa. – afirmou Gälart – Somente não aposto moedas de ouro pois não precisaremos delas no inferno que nos espera.
Uma sombra movia-se entre os arbustos, assistindo à confusão que se instalara no meio do grupo. Os cabelos negros desalinhados e o olhar cruel e corajoso denunciavam Elara. O corvo guiou-a até ao grupo de Gälart. Por acidente? Ou propositadamente? Será que Ofélia estava a planear algo? A princesa decidiu permanecer escondida. Apesar da sua impaciência com a demora numa tomada de decisão, queria aproveitar-se de não ter dado nas vistas. Seguiria o grupo. Afinal, procuravam o mesmo que ela.
O corvo abandonou o local, mas não sem antes passar perto da princesa, Elara olhou para o animal, que não fez qualquer barulho, limitando-se a bater as asas aceleradamente. Naqueles segundos o coração de Elara bateu mais forte. Um movimento brusco ou uma palavra tê-la-iam denunciado. O corvo desapareceu e ela suspirou.

Quando quase toda a gente tinha dificuldades em caminhar com uma escuridão tão intensa, era quando Ofélia se deslocava melhor. A noite era o seu dia. Naquele momento entretinha-se a alimentar os corvos . Sorria. Não faltava muito tempo para o seu mensageiro chegar. Acabou de dar comida aos seus animais de estimação, sentou-se e pegou num pequeno saco castanho. Algo se mexia lá dentro. Ofélia dava gargalhadas.
- Gostavas que te soltasse para sentires a liberdade? Não há liberdade. Ninguém a tem. A vida rouba-nos.
O sorriso desvaneceu. Apertou o saco contra o chão e como uma faca fez vários cortes. De seguida, abriu o saco e juntou os pedaços da rã que tinha acabado de assassinar.
- Ninguém tem esse direito. – afirmou pegando num dos pedaços e comendo – Ninguém….

quinta-feira, 19 de março de 2009

Capítulo IV (Parte VI)

Nunca como naquele momento a liderança lhe pesara sobre os ombros. Sabia que a sua missão poderia ter sido um fracasso muito mais considerável, mas quem poderia explicar isso à família do que morrera, segundo sabia, nos hediondos abismos de uma profunda dor?
No silêncio da noite tardia, os pensamentos de Amara pareciam ser um grito dentro do seu coração, enquanto, lentamente, caminhava em direcção à pequena casa que fora o refúgio de Durun, mas que, agora, apenas a sua ansiosa irmã ocupava. As suas palavras destruiriam a esperança que restava àquele débil coração, mas era o seu dever comunicá-las em pessoa. Para isso a haviam nomeado senhora dos exilados, e líder daqueles que ansiavam por uma reparação pelos crimes contra eles cometidos pela família reinante de Lithian. Para que fosse o rosto e a mente das suas responsabilidades a haviam elevado mais alto que todos eles, quando, no momento que chegara, não era senão mais uma entre os exilados, ainda que lhe corresse nas veias o sangue mais próximo à realeza.
Um leve suspiro fugiu-lhe dos lábios, ao encontrar com o olhar a pequena casa. Através da janela, podia ver a trémula luz de uma vela, brincando com as sombras como se delas fosse parte. Depois, viu a sombra da jovem que, em silêncio, esperava que as horas passassem e, forçando-se a cumprir com a que era, afinal, a sua missão, aproximou-se e bateu à porta.

Silencioso como a sombra das suas memórias, Mordechai vigiava, junto à entrada da sua pequena corte de exilados. Não acreditava que, por entre o caos que se instalara na capital de Lithian, as forças dos Raven pensassem sequer em avançar contra o seu pequeno reduto, mas, ainda assim, havia algo nos seus pensamentos que lhe dizia que devia velar, pois algo de importante viria ao seu encontro.
Subitamente, a noite foi agitada pelo som de passos que se aproximavam e, imperceptivelmente, os homens que acompanhavam Mordechai na sua vigília, aproximaram-se deles, prontos para agir da forma que se revelasse necessária. A sua primeira reacção, contudo, foi de surpresa, ao ver Delenia surgir de entre as sombras, acompanhada pela figura de um jovem, pouco mais que um rapaz, que todos eles conheciam demasiado bem.
- Delenia! – exclamou Mordechai, surpreendido – Será possível que…?
- Não digas nada. – interrompeu-o ela – A oportunidade surgiu e não a podia desperdiçar. De todas as formas, a decisão não é nossa, pois não?
Mordechai assentiu.
- Encarregar-te-ás de o vigiar? – perguntou – A Amara precisa de ser avisada o mais rápido possível.
- Claro, meu lorde. – concordou ela, com um sorriso leve – Não te preocupes. Entre mim e os teus companheiros, arranjaremos um lugar adequado para o nosso… visitante.

Os olhos de Rienna tinham o dom da profecia, uma suave antecipação, como se, em silêncio, se resignasse ao que, ainda que não o admitisse, já conhecesse como real.
- Diz-me, Amara. – pediu ela, ao ver diante de si o rosto consternado da sua líder – Os meus pressentimentos são reais? O meu irmão está morto?
Amara vacilou, surpreendida por um tão profundo estoicismo.
- Lamento, Rienna, - acabou por replicar – mas é verdade. Durun morreu.
Rienna suspirou.
- Surpreender-te-ia se te dissesse que já o pressentia? – perguntou – Que sentia o fracasso iminente quando se despediu de mim?
- Ninguém o poderia imaginar. – respondeu Amara – Se soubesse que tudo terminaria assim, nunca teria permitido que ele partisse… Mas tu sabes que ele nunca me perdoaria se o tivesse deixado para trás, e… Todos nós acreditávamos que seriam bem sucedidos.
- Sim. – assentiu Rienna – Eu sei. Suponho que tenho de me resignar à verdade dos factos, mas…
- Não. – interrompeu Amara – Não tens de te resignar a nada, quando tens um culpado diante de ti. Se há algo dentro de ti que precise de sair, então liberta-o. Grita, chora, insulta-me… Faz o que quiseres. Não há nada que precises de esconder num momento desses.
Silenciosas, as lágrimas brotaram no rosto de Rienna e, imperceptivelmente, Amara preparou-se para a explosão que, seguramente, surgiria, que, sem dúvida alguma, merecia. O que aconteceu, contudo, não foi um desabrochar de cólera, mas apenas a floração de uma tristeza infinita, reflectida na intensidade desesperada com que a jovem Rienna se lançou nos braços da mensageira da morte, colocando todas as suas forças numa vã busca de consolo para ambas.
- Não te culpo… – murmurou Rienna, entre lágrimas – Não a ti. Aos Raven… Às mãos que provocaram a morte do meu irmão. Sinto que foram eles… e tu sabes, não sabes? E contar-me-ás tudo, eu sei… Mas agora não… Ainda não.
- Ainda não… - concordou Amara.

Quando as duas mulheres se soltaram do abraço, os olhos de Amara puderam encontrar, enfim, a figura de Mordechai que, silenciosamente esperava.
- O que aconteceu? – perguntou ela, notando a urgência nos olhos do amigo.
- Julgo – respondeu este – que quererás ver com os teus próprios olhos. Acaba de chegar a mais inesperada das visitas.

domingo, 15 de março de 2009

Capitulo IV - (Parte V)

Os seus dedos enrugados tamborilavam na madeira gasta dos braços do trono. Era o mais tenebroso ponto da noite e os olhos afadigados vagueavam pela sala taciturna e despejada. A sua atenção focou-se na seta ensanguentada que estava diante de si. Levantou-se vagarosamente e encaminhou-se para o meio da sala, onde a flecha repousava num lençol branco manchado de sangue. Colheu a arma que extinguiu a vida de seu marido e, com ódio, quebrou-a em duas, largando-as de imediato.
- Não sei quem és! – exclamou a rainha – Mas garanto-te que te arrependerás de ter nascido! Amaldiçoarás o ventre da tua mãe por te brotar! – espezinhou com violência as dois bocados de flecha – Gota por gota…a tua vida extinguir-se-à! Prometo-te, meu marido! Depositarei a cabeça do verme que te eliminou em cima do teu túmulo!

Os passos mergulhados no território lamacento abrandaram. A noite adensava e escondia os já poucos vestígios do possível percurso do príncipe. Galärt usou o braço para limpar o suor que já se manifestava no rosto, originado por algumas horas de buscas. Que fossem alguns minutos, que o desconforto seria semelhante! Os seus terrenos eram os lençóis do reino e não a sombria floresta que as últimas chuvas haviam tornado em pântano.
O primeiro erro da rainha tinha sido a demora em nomear um grupo de busca. O segundo colocar o galã a capitanear esse mesmo grupo. Porém, o forçado capitão sabia que era da conveniência da rainha ter Rómulo e os melhores soldados na sua guarda, não fosse ocorrer um novo ataque. “Carne fraca dispensável…” pensou o poeta, sorrindo desconfortavelmente.
Apesar da surpreendente e absurda nomeação feita pela rainha, o primo do príncipe fez questão de esclarecer o seu papel. Assim que chegaram à floresta, deu o controlo das operações a Lydro, o melhor soldado do grupo e afirmou que ajudaria no que fosse necessário, mas que estava mais habituado a socorrer-se da sua inteligência do que propriamente dos seus punhos. Depois, pensando para si mesmo, recordou-se que em termos de planos de fuga não deveria ter rival, pois já tinha encontrado na sua vida inúmeros maridos furiosos que cobiçavam cortar a cabeça ao amante de suas mulheres. Porém, ninguém podia precisar quem enlouquecia as mulheres provocando o seu adultério, primeiro, porque muitas nunca tinham sido apanhadas, depois, porque as que eram apanhadas nunca acusavam Galärt. Preferiam apontar o dedo para outros supostos culpados provocando sempre situações embaraçosas em casas de homens de família que nunca tinham traído as esposas nem em pensamentos.
Para má fortuna de Galärt, um dos poucos que sempre desconfiou da vida boémia do artista encontrava-se integrado naquele pequeno batalhão. Cäal, soldado do reino, tinha trinta anos de casado quando um dia chegou a casa mais cedo e deparou com a sua mulher em trajes pouco dignos e as cortinas da janela de seu quarto ainda a ondularem.
- Não percebi o que fazes aqui. – começou Cäal – vais cutucar os inimigos com uma pena ou vais escrever-lhes um livro?
- Um livro é uma arma mais poderosa do que aquilo que possas imaginar. Mas a força bruta não te permite ir muito além. – sorriu Galärt – Aqui perante todos afirmei que nunca peguei em uma arma. Porém, há certas coisas que requerem o uso da inteligência. Dos miolos. Assim, contrabalançamos a tua força física com o meu cérebro.
Cäal tentou socar o provocador, porém Lydro intrometeu-se.
- Não é a hora nem o lugar para as vossas desavenças – suspirou – sejam quais forem.
Cäal afastou-se, contrariado, enquanto Galärt foi para o lado contrário sorrindo provocatoriamente. Lydro dirigiu-se ao primeiro e pediu que se acalmasse.
- Neste momento não podemos estar uns contra os outros. A noite aperta e se não encontrarmos o príncipe a rainha corta-nos a cabeça.
Recomeçaram a caminhar e Lydro aproximou-se de novo do companheiro.
- Não penses que não sei o que se passa. Eu sei muito bem o que ele faz. – afirmou, sussurrando – Assim que encontrarmos o príncipe cuidaremos deste verme, morto por uma bala inimiga ou soterrado numa vala perdida, juro-te que este miserável não voltará a colocar os seus pés em Lithian.

A imponente mansão dos Razza não tentava sequer disfarçar o sucesso do patriarca da família. Objectos de luxo, utensílios importados, modas que ainda eram miragens no reino, tudo fazia parte da casa de Arus Razza.
Deitada num dos diversos largos sofás estendidos pela sala de convívio, Isís controlava o seu pranto em postura firme e silenciosa, surpreendendo até o próprio pai, que ainda recordava o rebento que, na sua meninice, chorara a morte da mãe colhida por uma doença que tinha tanto de absurdo como de fatídico. Estava, sem dúvida, diferente. Tinham passado dez anos e o amadurecimento da rapariga parecia também ter despertado uma camada polar nos seus sentimentos perante a dor da perda. O seu noivo tinha desaparecido e Isís não pediu um abraço ao seu pai nem qualquer tipo de reconforto. Apenas um chá e submergiu no paladar da substância calmante sem pronunciar outra palavra que fosse.
Arus Razza sentiu-se culpado. O que para ele e para o rei se tratava de apenas um negócio com vantagens para as duas famílias, pois o facto de entrar na família real abria-lhe as portas dos poucos mercados que ainda não tinha explorado, e o rei teria nas economias grandiosas da família Razza um enorme desafogo, significava muito mais para Isís. “Um rei pobre…como é possível?” Os pensamentos de Arus deixaram a família real e voltaram a concentrar-se na filha. Ela sentia algo intenso pelo príncipe. “Lado negro dos negócios”. Mas, afinal quem teria levado o príncipe?
O pai de Isís encaminhou-se para seu quarto e abriu a porta, ainda absorto em pensamentos. Porém tudo se desvaneceu quando olhou para o tecto do seu quarto e viu um gato aberto a meio, pendurado no candelabro, esvaindo-se em sangue e pintando na parede a sua própria imagem degolado…

quinta-feira, 12 de março de 2009

Capítulo IV (Parte IV)

Quando pararam, as fogueiras de Varin eram já visíveis algures na distância. Não seria, contudo, perante a obscuridade da noite que Soran Fadenbran se apresentaria diante dos olhos da sua senhora, segurando nas mãos a vingança que ela tanto desejava. Não… Seria o dia a assistir ao seu triunfo pessoal, para que ele pudesse ver, como na estrela da manhã, o brilho e o fogo que podiam arder nos olhos de Amara Morningstar.
Antes, contudo, tinha ainda uma outra espécie de vingança que concretizar. Criara uma ilusão em torno do seu prisioneiro, uma imagem que, certamente, o teria atormentado ao longo de toda a viagem. Agora, era momento de lhe revelar a verdade, para instalar no seu coração uma negrura ainda maior, capaz de lhe inspirar o mais profundo temor, e de o preparar devidamente para o que o esperava nas mãos da sua esquecida irmã.
Os débeis gemidos de um homem que se debatia, ainda que em vão, rasgaram o silêncio, levando a que um sorriso aflorasse aos lábios do lorde. Depois, lentamente, puxou o capuz para cima, ocultando o rosto, e esperou que os seus companheiros chegassem.

Ao encontrar-se diante da sinistra figura, Caledon tremeu. Não conseguia detectar o rosto por baixo do capuz, mas a sua severa imponência, claramente reveladora de um líder incontestável, indicava-lhe que aquela era a mente por detrás do seu rapto e que o seu destino poderia muito bem encontrar o seu fim no rumorejante ambiente daquela clareira. Um turbilhão de perguntas agitavam os seus pensamentos, ávidos de uma resposta que lhe permitisse sobreviver, mas a aparente tranquilidade do seu captor silenciava-lhe as palavras com o sopro de um pavor que o petrificava.
- Conheces-me, Caledon Westraven? – perguntou a voz que, por debaixo do capuz, lhe parecia estranhamente familiar, mas que, distorcida pelo medo, lhe parecia incompreensível.
A pergunta pareceu dar-lhe coragem para libertar a voz.
- Eu… - balbuciou – Não… Não sei quem é. O que quer de mim?
A voz riu.
- Tudo o que quero de ti, já o tenho. A tua miserável vida nas minhas mãos.
Lentamente, o vulto deixou que o capuz caísse, revelando o seu rosto. Nesse momento, um gemido de horror escapou dos lábios do prisioneiro, ao reconhecer a face do homem que julgara morto, ao compreender o significado do que lhe sucedia.
- Fadenbran! – exclamou, incapaz de raciocinar – Porquê? Que utilidade… Para que me quer? O rei está morto, e eu… Eu não sou ninguém!
- Que me importa o reino, Westraven? – interrompeu Soran – O que eu quero és tu. Não percebes? Não te lembras do que me fizeste? Quero vingança, criatura indigna! E, finalmente, tê-la-ei.
Nesse momento, Caledon compreendeu o ódio do outro lorde, um rancor nunca proferido, mas que crescera ao longo do tempo, desde o dia em que, quando a sua família planeava um casamento entre a sua irmã e Soran Fadenbran, ele decidira intervir, alegando que o noivo não estava à altura dos familiares mais próximos da dinastia reinante.
- É por causa dela? – perguntou, chocado – Porquê? Porquê agora? Tanto tempo depois de ela ter sido exilada… Calana estará certamente morta… Condenará a sua reputação, a sua posição em nome do ódio?
Soran riu.
- Como és ridículo… - observou, com um esgar de desprezo – Tentas argumentar comigo, quando o que queres fazer é implorar pela misericórdia… Mesmo nesta situação, continuas a ser uma besta arrogante.
Caledon abriu a boca, mas não conseguiu falar. Não, quando via que uma palavra errada podia custar-lhe a vida.
- Sim, é por ela. – prosseguiu Soran – E, contudo, a verdade não se aproxima sequer daquilo que imaginas. Mas não serei eu a revelar-ta. Ainda não…
O prisioneiro estremeceu.
- Suponho que é altura de te devolver ao teu cubículo. – declarou Soran – Aprecia a tua última noite. É possível que, amanhã, já não tenhas uma vida para apreciar.

domingo, 1 de março de 2009

Capitulo IV (Parte III)

A noite encobria a viagem de Elara. A conversa não poderia esperar. As dúvidas seriam dissipadas. A bruxa teria que se explicar. O cavalo que transportava a princesa era quem pagava a sua fúria, sendo castigado cada vez que desacelerava um pouco.

Na caverna de Luath um corvo voava à volta da bruxa Ofélia, quando, subitamente, queimou uma das asas na fogueira. Ofélia pegou no corvo e deitou-o num pedaço de madeira. Depois pegou numa estaca e cravou-a no pássaro, extinguindo a vida do pequeno animal.

- Porque me visitas a esta hora? – questionou a bruxa, sem olhar para a entrada da caverna onde Elara surgia.
- Bem sabes porque vim. Gosto das coisas directas e sem rodeios, como já tens conhecimento.
- É um bom hábito. – sorriu Ofélia.
- Então, poupa-nos às duas. Diz-me o que preciso saber.
- Porque não te disse que existiriam outros? Porque não te preveni? A resposta é demasiado simples.
- E afinal, qual é? – a princesa fez um gesto de desprezo – Lembra-te que estás a arriscar o teu ouro.
- Eu preveni-te de que o reino é vasto e que poderia existir alguma falha. Na verdade, disse tudo o que necessitavas saber.
- Mas sabes quem são os intrusos? Porque não me disseste? – perguntou Elara, exaltada – O facto de o príncipe ainda estar vivo atrasará o meu assalto ao trono e enquanto não estiver no lugar onde pertenço não há recompensa! Não há moedas de ouro!
- As coisas não são tão lineares. Eu sabia que havia perigos, mas eram apenas sombras na minha cabeça. Não conseguia revelar-te quem eram os inimigos, – fez uma pausa – mesmo que quisesse.
- Agora já deves saber! Quem levou o meu irmão? – interrogou a princesa.
- Como queres que te ajude se não queres cumprir a tua palavra? Se dizes não me dar o ouro?
- O plano era chegar ao trono! E isso não foi cumprido!
- Dá-me metade do prometido agora e a outra metade quando estiveres no trono.
- Diz-me onde está o príncipe e eu dou-te metade do prometido.
Ofélia sorriu.
- Dá-me metade do que me prometeste e eu digo-te onde está o príncipe.
- Tudo bem. Dar-te-ei as moedas. Vim prevenida.
- Ambas sabemos como as nossas mentes funcionam. É perfeito. Metade do caminho está logo feito.
- O príncipe acaba de chegar a um certo lugar na floresta. Sugiro que vás ou envies alguém…antes que seja tarde demais.
- Será morto? Mas isso seria perfeito.
- Talvez…Talvez não. O meu conselho é que vás.
- E como sei onde o encontrar?
- D’aherk vitis.
Um corvo entrou na gruta e pousou no braço da bruxa.
- Ele sabe o caminho. Segue-o.
A princesa sorriu.
- Parto agora, então. Bendito o teu amor pelo ouro.
A bruxa não disse nenhuma palavra enquanto a princesa saia da caverna guiada pelo corvo. “Amor”, que palavra tão longínqua… Que sentimento era esse? Já não se recordava. Fazia já muito tempo que o haviam roubado…

Naquele dia de Outono quando as primeiras chuvas cerravam o reino e as folhas começavam a cair perante o amanhecer surgiu alguém que tinha apenas um propósito. Ofélia tinha saído para comprar verduras e aproveitando-se disso um homem de barba por fazer e aparentes trinta anos e dois amigos invadiram a casa da mesma, onde se encontrava o marido de quem ela estava grávida. Quando voltou para casa deixou cair o saco de verduras no meio da lama e levou as mãos à boca. A casa ardia. Tudo ardia. Lá fora escrito a sangue “Tu serás a próxima, bruxa!”. E desde aí tudo mudou. O amor, a caverna, apenas o ouro interessava.
Ofélia cravou as suas unhas nas suas mãos fazendo-as sangrar.
- Tu pagarás! Arus Razza…tu pagarás!
 

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