terça-feira, 16 de março de 2010

Os filhos de Raven - Cap.VII - Parte V

No meio do reino algo reluzia, um brilho forte que se distinguia no céu. Atraído por esse objecto, um corvo mergulhou por entre as casas e resgatou-o. De seguida mudou de direcção, voando até à Caverna de Luath.

- Minha rainha - um soldado entrava na sala do trono - tem uma visita para si.
- De quem se trata? Estou sem paciência nenhuma.
- Arus Razza. - respondeu o soldado - E diz que não sai dali antes de falar consigo.
A rainha lançou um olhar de reprovação a Rómulo que estava estático do lado direito do trono, suspirou e com a mão deu ordem para que Arus entrasse.
- Bom dia, minha rainha. - atirou Arus Razza secamente - Tenho algo para lhe mostrar - a sua mão direita estava escondida atrás das costas.
- Porque me perturbas a paz tão cedo, Arus? - questionou a rainha - Vens agradecer-me por ter acabado com a vida daquela fétida?
Arus sorriu e mostrou o que tinha escondido.
- Deslumbre-se. - na sua mão direita segurava um corvo sem vida, a sua mão apertava com força o pescoço do animal - A minha paz foi perturbada ontem por dezenas destas animais nojentos. Seres comandados por você sabe bem. Muito depois da sua suposta morte. Vai contar-me o que aconteceu ou prefere continuar a enfadar-me com mentiras?
A rainha suspirou.
- Pois bem. Mereces saber. - fez sinal para que Rómulo desse um passo em frente - Conta-lhe!
Arus Razza olhava para Rómulo com desprezo, enquanto este se limitava a pronunciar :
- Falhei.
- Está rodeada de inúteis, minha rainha. - afirmou o nobre - É neles que confia a sua vida?
Alessandra levantou-se do trono e encaminhou-se para Arus. Frente a frente. Olhos nos olhos.
- Ajuda-me a resgatar o meu filho. - pediu - Assim que ele voltar para casa juro-te que mato a bruxa com as minhas próprias mãos.

Entretanto o corvo curioso chegou à caverna com o objecto que havia encontrado e, pousando, no ombro direito de Ofélia, deixou o objecto cair nas mãos da bruxa. Esta analisou o objecto e não evitou uma expressão de surpresa.
- O medalhão de Azhar... - arregalou os olhos e subitamente na sua mente apareceu o rosto de um homem com um uma expressão de ódio, uma imagem que permaneceu somente alguns segundos, antes de Ofélia voltar à realidade para observar melhor o medalhão
-Será verdade ou somente uma lenda? Será que eles sabem?

Num corredor menos percorrido pelas pessoas do palácio, Rómulo e Elara cruzaram-se. O soldado sorriu enquanto ela fez um ar de insatisfação. Rómulo encostou-a à parede e sussurrou-lhe ao ouvido.
- Quando quiseres...estarei no meu quarto. Todas as noites a minha porta estará aberta para ti. - disse o homem largando-a em seguida - Até logo - e saiu de perto da mulher. Esta seguiu-lhe os passos com o olhar e assim que este saiu do alcance da sua vista fechou os dois punhos e a sua expressão tornou-se dura.
- Sinto demais por ti, soldado. Não o posso. Sentimentos são o primeiro passo para uma derrota. Não vou perder tudo. Não agora. Se voltar a teu quarto não irei sozinha, levarei comigo uma adaga para cravar no teu coração antes que algo se crave no meu e não possa mais voltar atrás.

Arus Razza voltou para sua casa onde continuava a pensar na proposta da rainha. Ficara de dar uma resposta no final da tarde. A verdade é que estava inclinado para o sim. Sabia da vontade da rainha e sentia que esta estava a falar a verdade. Na verdade Alessandra também não morria de amores por Ofélia e por isso seria até um prazer tratar do assunto. O nobre sorriu. A rainha tinha-se afirmado sem margem para dúvidas, quem pensasse que o reino ficaria mais fraco com a morte do rei estava muitíssimo enganado. As coisas continuavam na mesma ou até piores para os adversários do reino. Arus afastou os pensamentos já com tudo decidido na sua cabeça e percorreu a casa à procura da filha mas esta não se encontrava lá.

- Não percebo muito bem o rumo que as coisas estão a tomar. - afirmou Isis - Queria poder contar-te mais mas ainda nem tenho a certeza do que se passa. A bruxa não morreu, isso é certo. Mas isso tu já sabias. Voltarei a casa e questionarei o meu pai sobre a decisão que quer tomar. Ao final da tarde encontramo-nos de novo aqui para que te possa contar.
O vulto que estava com ela tinha um capuz para que ninguém o reconhecesse. Assim que Isis acabou o que tinha para dizer os dois sairam daquele local por caminhos separados.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Capítulo VII (Parte IV)

Entrou no palácio de Agaloth como a nobre que era, altiva e serena na sua etérea distância. Perante os que a contemplavam, ela não era simplesmente a senhora dos condenados, era Calana Westraven, nobre das linhagens superiores, possível pretendente ao trono de Lithian. E foi como tal que foi recebida. Aiden Thornblack enviara servos e cortesãos para a receber com a devida glória, enquanto se preparava para conhecer a senhora que Mordechai Gray descrevera como a luz de Lithian.
Quando as portas se abriram para permitir a entrada de Amara na sala do trono, havia um sorriso nos seus lábios e uma elegância quase soberana nos seus gestos. Tinha a postura das deusas e das rainhas e, ainda que habitasse num dos mais esquecidos povos de Agaloth, havia sido reconhecida como senhora perante os olhos dos banidos e dos fugitivos de Lithian. Aceitavam as suas ordens e serviam-na com devoção. E tanto ela como o próprio senhor de Agaloth sabiam que, ainda que parte dessa fidelidade se devesse aos tiranos irresponsáveis que governavam o seu território natal, parte devia-se à nobreza e graça majestáticas de Calana.
- Sede bem-vinda, senhora. – saudou-a o rei, erguendo-se do seu trono para a receber. Calana, por sua vez, avançou alguns passos, curvando-se diante de Aiden numa vénia profunda, tão graciosa como impassível na sua soberba.
- Majestade… - cumprimentou.
- O vosso mensageiro – declarou o rei – disse-me que tendes assuntos a discutir comigo. Como devereis imaginar, há muito sei que Varin se transformou no refúgio dos vossos, mas também sabeis que não tenho qualquer simpatia pelos Raven, pelo que a vossa presença no meu reino não me perturba de todo. Mas vindes até mim, e algo me diz que precisais de mais que a minha indiferença.
Amara assentiu.
- Assim é. – concordou, passando depois a explicar ao rei de quem esperava passar a depender o que sucedera com a sua missão em Vareil.
- Evidentemente fracassámos. – concluiu – Mas a verdade é que tenho um elemento poderoso nas minhas mãos e, caso estejais disposto, na vossa benevolência, a ajudar-nos, tereis também o devido benefício.
- Deveras? – perguntou Aiden – E que benefício é esse?
- Da nossa conspiração em Lithian – explicou Amara – ficámos com alguns prisioneiros. Um deles é o meu irmão Caledon. Sabereis certamente dos motivos do meu exílio e compreendereis o meu desejo de vingança. Pretendo executá-lo com as minhas próprias mãos, mas desejaria fazê-lo dentro das normas, e essas não mo permitem a não ser que reconheçais a minha autoridade em Varin.
Aiden sorriu.
- Quereis ser senhora de uma pequena vila? – observou – Não são muitas as vossas ambições.
- Quero ser senhora de Lithian. – replicou Amara – Mas uma coisa de cada vez. Para o conseguir, precisaria do vosso apoio. Sem ele, eu e os meus somos somente um grupo de exilados contra o peso de um reino.
- Verdade. – concordou o rei – Varin é vossa, independentemente do que eu diga. Quase nenhum dos seus habitantes pertence a Agaloth, não é verdade? Posso oferecer-vos os direitos sobre aquele território. Sois uma nobre e confesso que me agrada a perspectiva de saber Caledon morto. Afinal, ele seria um obstáculo na vossa pretensão ao trono…
- Saberei saldar as minhas dívidas para convosco, majestade, – prometeu Amara – se for bem sucedida nos meus intentos. A morte de Caledon será apenas um capricho pessoal, uma vingança… dolorosa, se possível, que acontecer servir os meus objectivos. Mas tenho mais que isso para os oferecer. O outro prisioneiro é Adhemar Raven.
O rosto do rei moldou-se numa máscara de espanto.
- Tendes um Raven na vossa posse? – exclamou, incrédulo – Não me surpreende que preciseis da minha protecção. Não haverá um soldado em Lithian que não tenha sido enviado em vossa busca.
Amara sorriu.
- Felizmente, - disse – até ao momento os sobreviventes não sabem da nossa existência. Mais cedo ou mais tarde, contudo, vão descobrir. Nesse momento, precisaremos de uma força que nos apoie, ou estaremos condenados.
- O príncipe herdeiro dos Raven… - murmurou Aiden, pensativo – Trata-se de um trunfo valioso. Mas tende-lo em Varin? Não é pouco seguro?
- Assim é. – assentiu Amara – Mas são os meios de que disponho.
- Já não, senhora. Se vos vou fazer governante de um território de Agaloth, então tereis à vossa disposição todos os meios que o reino achar por bem ceder-vos. Tendes a protecção do exército real e o acesso aos edifícios do reino. Inclusive o forte de Varin.
Amara fitou Aiden, incrédula. O forte abandonado, fechado desde que o território perdera a maioria dos seus habitantes para cidades melhor estabelecidas, era um dos edifícios mais seguros e protegidos de Agaloth.
- Sois muito generoso. – observou – O que desejareis de mim em troca?
- Lithian é uma ameaça para mim. – explicou o rei – Há muito que os Raven procuram uma desculpa para entrar em guerra com Agaloth, pois precisam de aliados para nos vencer. Quero que me apresenteis o motivo que eles precisam para partir contra nós. Quando executardes o vosso irmão… guardai um pouco de tempo e livrai-vos, perante o mundo, da vida de Adhemar Raven.

Soran entrou na cela de Caledon como quem visitasse um moribundo. O seu rosto, fechado e austero, parecia deixar antever um qualquer obscuro laivo de compaixão e havia na forma como olhava em seu redor algo de pesar. E, quando os seus olhos encontraram o corpo trémulo e encolhido do cativo, o seu rosto pareceu cobrir-se de tristeza.
- Caledon. – chamou, atirando-lhe as roupas que recuperara – Veste-te, antes que morras de frio.
Os olhos do prisioneiro ergueram-se para fitar o seu benfeitor. Ao reconhecer o seu captor, contudo, não pôde evitar retrair-se no seu minúsculo canto.
- Faz o que te digo. – insistiu Soran – Ou serás orgulhoso ao ponto de insistir num castigo desnecessário?
Trémulo e vacilante, Caledon obedeceu.
- Porquê? – perguntou, fitando o lorde com uma expressão surpresa.
Soran suspirou.
- Trouxe-te até aqui – respondeu – porque estou do lado de Amara no que toca ao teu julgamento. O que tu fizeste não tem perdão e não serei eu a censurar a tua irmã no dia em que ela se quiser livrar de ti. Mas isto… Parece-me demasiado, até para ti.
- Ela não me vai poupar a nada. – murmurou Caledon, mais para si que para o seu visitante – Odeia-me demasiado para isso. Vai manter-me no limiar da loucura, atormentar-me até ao limite do insuportável… e vai continuar a recusar-me a morte, por mais vezes que lha suplique.
- Sabes que lhe deste razões para isso. – observou Soran.
- Sei. – admitiu o prisioneiro – Claro que sei. Mas não o consigo suportar… Eu não…
Fadenbran, por favor… - pediu, prostrando-se aos pés do lorde – Ela não o fará, mas vós… Podeis libertar-me desse tormento. Tende piedade de mim e acabai com a minha vida. Sabeis como ela sabe que mereço a morte, mas isto… Isto ninguém merece!
Soran fitou-o, como se não soubesse o que fazer, ou o que dizer.
- Caledon… - respondeu – Sabem os deuses que, uma vez na vida, concordo contigo. Mas não posso fazê-lo… Simplesmente não posso trair a confiança de Amara. Não posso ser eu a recusar o seu direito sobre ti.
O que se seguiu perturbou a alma de Soran até aos seus confins mais secretos. Diante dos seus olhos, Caledon Westraven chorava convulsivamente, resignado ao seu destino, mas demasiado perdido no medo para poder controlar a sua expressão.
- Farei por ti o que puder. – disse, sentindo que o jogo de que, até ao momento, fizera parte se estava a tornar demasiado cruel – Mas a decisão final não me pertence.
Caledon não respondeu. Já não o via, perdido na estranha loucura de um homem atormentado, de alguém que esperava a morte e, sentindo-a tão perto, não a podia tocar. E enquanto Soran saía, deixando o prisioneiro perdido na sua angústia, havia uma voz na sua cabeça que não cessava de repetir:
- Não devias ter feito isto. Não deverias ter prolongado ainda mais a sua dor.

A voz de Delenia era como um sussurro na escuridão, chamando o seu nome por entre as vozes que o rodeavam. Poucos momentos antes ouvira gritos desesperados vindos do exterior e perguntava-se se lhe estaria reservado um mesmo destino de medo e de dor. Mas a mulher que o traíra e o trouxera até ali chamava o seu nome nas sombras e ele reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
- O que queres de mim? – perguntou Adhemar, erguendo-se apressadamente.
Delenia entrou na cela, trazendo nas mãos uma vela acesa.
- Quero justificar-me. – respondeu, fitando o príncipe com uma expressão dolorosa – Não pretendia aproveitar-me da tua confiança para te capturar. Na verdade, se tivesse obedecido, neste momento estarias morto, mas… A verdade é que não consegui cumprir com o que me havia sido destinado.
Adhemar fitou-a, incrédulo.
- E porque mo dizes? – perguntou – Que te importa o que me acontece agora? Já não te pertence a decisão de vida ou morte, podes viver com a consciência tranquila.
Delenia tentou responder, mas as palavras não saíam. Temia o que o seu coração gritava dentro de si, temia que, caso lho dissesse, as consequências pudessem ser terríveis.
- Não foi para salvar a minha consciência. – admitiu, incapaz de controlar as emoções – A verdade é que… Sinto por ti o que nunca senti por ninguém. Não sais da minha memória desde que te vi naquele dia. Não consigo libertar-me de ti, e não é só porque me sinto culpada do que quer que te espere. É porque… Porque tenho sentimentos fortes por ti.
Adhemar riu, um riso sinistro, vazio de emoções, perdido no silêncio da sua prisão.
- Amas-me? – perguntou – Então porque permites que continue aqui? Porque não me libertas?
Delenia tentou responder, mas ele interrompeu-a.
- Não respondas. – disse – Eu sei que não o farás. Traíste-me, mas nunca o farias ao teu pequeno povo. Nunca… Porque eu sou só um e estou condenado, mas eles vingar-se-iam de ti até ao fim dos tempos. Ou talvez porque acreditas na pretensa nobreza dessa mulher a quem segues. É irrelevante. Mas não te atrevas a dizer que tens sentimentos por mim, quando nem sequer tens coragem para escolher o teu próprio caminho.
» Deixa-me. – pediu – Por favor, desaparece. Deixa-me aceitar o meu fim com a dignidade que ainda me resta.
Delenia assentiu. Depois, como uma estátua que de súbito ganhasse vida, deixou a cela, para se refugiar no seu pequeno espaço. Espaço que em breve deixaria para não voltar nunca mais.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Capitulo VII (Parte III)

A noite já ia longa quando Rómulo se deitou para tentar descansar algumas horas. Fechou os olhos mas abriu-os novamente de forma brusca. Tentou de novo, mas não conseguiu. Cada vez que tentava adormecer a imagem da mulher que acabava de assassinar multiplicava-se na sua mente, uma e outra vez, como milhões de imagens diferentes que se sobrepunham. Levantou-se, o seu corpo encharcado em suor. Andou nervosamente pelo quarto, tentando esquecer o que tinha acontecido, enquanto repetia para si próprio que era um assassino, que não era a primeira vez que matava alguém. Porquê aquele sentimento? Que soldado digno desse nome poderia sentir pena? Repetiu para si próprio com um ar de desprezo “pena”. Porque se sentia assim? Estaria a idade a amolecê-lo? Os seus pensamentos foram interrompidos quando bateram à porta.
- Quem é?
- Elara. Abre.
O soldado dirigiu-se à porta e abriu-a devagar.
- O que se passa princesa? Alguma urgência?
Elara mandou-o afastar-se, entrou no quarto e fechou a porta.
- Muitas vezes me serves como princesa que sou, hoje quero que me sirvas como mulher que sou – despia-se lentamente – Pois acima de tudo é isso que sou. Acima de qualquer cargo que tenha. Acima do estatuto com que nasci…sou mulher. E hoje desejo-te.
Rómulo abraçou-a com força. Elara sorriu.
- Bem sei o quanto me desejas.
Os lábios dos dois aproximaram-se.
- Apaga-me este fogo que tenho dentro de mim – suspirou Elara – Faz-me tua esta noite.
Rómulo tentou beijar a princesa, mas esta colocou o dedo indicador em cima de seus lábios.
- Calma, valente guerreiro. Tanta pressa…
- Quero-te! – exclamou o homem.
Elara sorriu e deu-lhe uma chapada.
- Quem és tu para me merecer? – afastou-se – Quem pensas que és? – sorriu – Pobre inútil.
Rómulo passou a mão pela face e aproximou-se da princesa, encostou-a com violência contra a parede e arrancou-lhe a pouca roupa que restava.
- Pois sabes que me desejas. Por isso vieste cá hoje. Por isso estás aqui esta noite. Provocas-me porque sabes que te quero. E sabes que me queres. Quantas noites passaste acordada a sonhar com isto?
- Deixa-me! – exclamou Elara – Deixa-me senão vais-te arrepender!
Rómulo beijou-a mesmo perante a sua recusa. Pouco a pouco, a princesa deixou de resistir e correspondeu a um beijo forte que lhe tirou o fôlego.
- Tu sabes que me desejas. – afirmou Rómulo – Tu sabes.
Elara recuperou do beijo e cuspiu na face do homem. Este sorriu e beijou-a novamente. Deitou-a na sua cama e possuiu-a com raiva, tal como dois animais no cio.


Arus Razza dormia com um sorriso estampado na cara quando o barulho de uns vidros a estilhaçarem o fez despertar. Foi a grande velocidade para a sala onde já se encontrava a sua filha. Seguiu o olhar assustado desta e deu com dezenas de corvos voando em círculo perto do tecto. Os vidros da sala estavam todos partidos e o barulho que os animais faziam era ensurdecedor. Subitamente os corvos começaram a alinhar-se desenhando uma palavra…”Viva”.

domingo, 25 de outubro de 2009

Capítulo VII (Parte II)

Naquela manhã, o povo de Varin acordou com um sorriso nos lábios e muitas expectativas no coração. Havia sido espalhada a notícia de que, naquele dia, Amara seria recebida pelo rei de Agaloth, e que, como a nobre que em tempos fora, a sua senhora negociaria com ele uma aliança. Eram, pois, muitos os que se haviam reunido em frente à casa de Amara, onde os que, entre os seus, haviam sido escolhidos para a acompanhar, não esperavam senão a sua senhora para partir na sua augusta missão.
Dos seus homens de confiança, Amara escolhera Mordechai para a acompanhar, não por predilecção, mas por utilidade. O antigo lorde tinha espírito de diplomata e prova disso fora a rapidez com que lhe conquistara aquela audiência. Não deixava, contudo, ninguém para segundo plano e, na sua ausência, seria Soran Fadenbran, o seu consorte, a tomar as decisões que se revelassem necessárias, com a sempre sábia ajuda de Andros, o seu velho mestre.
Ninguém estava preparado, contudo, para o que viram quando a porta da casa se abriu. Tanto os soldados que a acompanhariam, como as gentes do povo e até os nobres a fitaram, boquiabertos, quando Amara surgiu, bela e esplendorosa como a estrela da manhã. O majestoso vestido de veludo escarlate moldava-lhe as formas na perfeição e a sua pele pálida e sublime brilhava sob a luz do sol, contrastando com o brilho dos seus cabelos cuidadosamente penteados numa suave cascata. Descendente de reis, aquela não era apenas Amara Morningstar, senhora dos condenados. Aquela era Calana Westraven, e tinha o porte imperial da senhora que devia ser.
Por um momento, Amara fitou-os com solenidade, o seu rosto fechado uma máscara de altiva calma. Depois, um suave sorriso desenhou-se no seu rosto e todo o espaço pareceu ficar ainda mais luminoso.
- Independentemente do que vedes, - disse, percorrendo o seu povo com um olhar terno – eu continuo a ser uma de vós.
Uma imensidão de aplausos ergueu-se da multidão. As palavras da senhora aqueciam o coração das gentes, pois viam que, sob o luxo de que se cobrira para impressionar o rei das terras que ocupavam, Amara continuava a ser a mesma mulher que lutara e lutaria pelas suas vidas e pela sua liberdade.
- Nós sabemos. – replicou Andros, quando os aplausos silenciaram – Nunca duvidaremos de quem és,
Amara assentiu.
- Deverá ser curta a minha ausência, - prosseguiu – mas, para tudo o que for necessário, deixo a minha autoridade nas mãos do lorde Fadenbran.
- Por favor, Amara… - interrompeu este – Eu já não sou um lorde.
Amara estendeu-lhe a mão.
- Para mim és. – respondeu. Depois, lançando um último sorriso ao seu povo, prosseguiu:
- Devo partir. Mas antes, Soran, e se não te importares, poderias acompanhar-me à carruagem? Existem algumas indicações que gostaria de te transmitir sobre os nossos… convidados.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Os filhos de Raven - Cap.VII - Parte I

Rómulo caiu no chão sem aviso, cuspindo sangue pela boca e passou o braço pelos lábios para se limpar, olhando em seguida para a rainha. Nos olhos dela uma mistura de ódio e desprezo centravam-se no soldado.
- Inútil! Como pudeste falhar algo tão fácil? E acima de tudo que comandante cobarde és tu que abandonas quem te serve com receio da morte?
- Vossa majestade… - Rómulo levantou-se lentamente – Nada me satisfaria mais que a morte daquela mulher…mas não consegui…
- Perderás os teus caprichos, Rómulo. Deixarás de passear livremente pelo castelo. – afirmou a rainha – Deste momento em diante és apenas mais um simples soldado, nunca mais capitanearás nada! Nem um simples conjunto de moscas!
- Como vossa majestade ordenar. – resmungou o soldado virando costas – Como quiser.
- Pára! – A rainha gritou ao mesmo tempo que fazia sinal a dois soldados para o agarrarem. Aproximou-se do soldado e com a unha do dedo mindinho da sua mão direita rasgou um centímetro de pele na face de Rómulo. O sangue escorreu pela face adiante, acumulando-se no queixo, de onde seguia gota a gota para o chão do castelo.
- Miserável…que seja a última vez que me viras costas! – exclamou a rainha – Larguem-no.
Os dois soldados obedeceram e deixaram Rómulo, que olhava para o chão envergonhado.
- Olha para mim! – exigiu a rainha – Nunca desvies os olhos da rainha!
Rómulo obedeceu.
- Preciso que entregues alguém a Arus. Ele precisa de acreditar que a bruxa está morta para partir em busca do meu filho. Queima o corpo de forma a que não seja reconhecível. – explicou a rainha – Posso confiar em ti para esta missão ou também falharás? É que se falhares não há mais perdão! E não será só com a descida de posto que precisarás de preocupar-te!
- Não, minha rainha. – respondeu Rómulo – Em duas horas, um corpo queimado estará diante da porta de entrada do senhor Arus Razza.
- Esquece as promessas. Esquece as palavras. E age!
Rómulo saiu apressado da sala do trono nem dirigindo palavra a Elara quando se cruzou com ela em um corredor.

Isís encontrava-se no seu quarto, a andar nervosamente de um lado para o outro, quando o pai bateu à porta.
- Entre. – concedeu a jovem. – Pode entrar, meu pai.
Arus entrou e notou a agitação da filha.
- Tem calma, minha filha. – pediu o pai – Amanhã organizaremos uma busca para recuperar o teu noivo.
A filha sentou-se na cama sem dizer palavra. Arus saiu do quarto. Assim que o pai se afastou, Isís soltou um pouco audível “Idiota”.

Elara estava no seu quarto olhando para o retrato do seu trisavô. No meio da confusão com os arqueiros o medalhão de Azhar tinha desaparecido. Nunca pensara ficar sem aquele objecto que tanto estimava. Nunca pensara que todos os seus planos pudessem estar a desabar.

Ruas próximas de Fortuna. Aqui era o sitio ideal para Rómulo encontrar o que pretendia. Por aqui paravam as mulheres que serviam as luxúrias dos homens, mulheres sem família, esquecidas por todos, que só serviam para o prazer, mulheres de que ninguém ia questionar o desaparecimento. Apenas tinha que procurar uma com semelhanças físicas com a bruxa, tamanho e peso. O resto não interessava, afinal o corpo estaria queimado. Tudo ficava resolvido, a rainha poderia contar com a ajuda de Arus, que provavelmente só descobriria do engodo quando voltasse da tentativa de resgate do príncipe.
Rómulo nunca tinha visto a rainha a agir de forma tão cruel, tão rígida e violenta. A morte do rei tinha de facto afectado a mulher, e o soldado sabia que caso não conseguisse levar o plano dela para a frente provavelmente seria entregue aos leões.
Uma mulher mal vestida de uns aparentes quarenta anos passeava-se pelas ruas oferecendo os seus préstimos. O soldado analisou a mulher, servia na perfeição para os seus intentos.
- Meu bom soldado que lutas pelo nosso bem, que lutas pelo bem do reino, não há nada que te possa fazer? Por poucas moedas de ouro posso fazer tudo.
Rómulo anuiu, sorrindo. Os dois foram para um canto longe da luz.
As mãos do soldado procuraram o peito da mulher. Beijou-a até que esta ficasse sem fôlego. Percorreu o seu corpo. Já fazia tanto tempo que não estava com uma mulher… Deixou-a tomar controlo, entregando-se ao prazer, e no auge de tudo possuiu-a. Tudo isto não demorou mais de cinco minutos. Depois, recompôs-se e, aproveitando que a mulher estava de costas, atingiu-a com uma pedra. A mulher caiu sem sentidos. Cobriu-a de tudo aquilo que mais facilmente se incendiaria e usando uma das tochas que iluminavam aquela rua, pegou-lhe fogo. Apesar da rua não ser muito frequentada, os poucos curiosos que se atreviam a tentar perceber o que se passava recuavam quando notavam a presença de Rómulo.

Como prometido à rainha, ainda nem duas horas tinham passado quando o corpo queimado foi entregue na casa de Arus Razza pelo próprio soldado.
- Nem sabes como a minha alma está alegre hoje. – sorriu Arus – Diz à rainha que amanhã de manhã partirei em busca do príncipe.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Capítulo VI (Parte VI)

Quando entrou na escura e fria divisão que, pelo seu desconforto, fora adaptada a cárcere de Caledon, Amara trazia nos lábios um sorriso de gelo. Os seus olhos eram cristais de repulsa, fixos na figura trémula e prostrada do seu irmão que, ao ver a sua chegara, se afastara para o canto mais distante.
- Bons dias, irmão. – saudou Amara, irónica.
O lorde não respondeu.
- Mas que tens? – prosseguiu ela, implacável – Porque te afastas, se ainda não te fiz nada? Será que te desagradam os teus novos aposentos?
- Precisas de perguntar? – murmurou ele, compreendendo que a mulher não se afastaria sem respostas – Olha à tua volta!
Amara sorriu, enquanto os seus olhos se demoravam pelo espaço. A humidade escorria pelas paredes e o chão vazio prometia tudo menos um sono tranquilo. A um canto, a imundície acumulava-se, ameaçando preencher o ar com o seu cheiro fétido. E ainda passara tão pouco tempo… Como seria o prosseguir dos dias naquele espaço insuportável?
- O que queres de mim? – perguntou Caledon, e o medo que o dominava parecia fazer com que o seu corpo se enroscasse ainda mais sobre si próprio – Vais manter-me aqui até que morra? Não terás tu qualquer misericórdia?
- Não. – interrompeu Amara, terminante – Não tenho misericórdia de criaturas como tu. Precisarás que te recorde o que me fizeste? Queres que o faça?
Caledon não respondeu.
- Bem me parecia. – prosseguiu a captora – Afinal sabes que cada memória que me fizeres remexer será um novo momento de dor para a tua patética existência. Levanta-te! – ordenou, de súbito.
O prisioneiro hesitou. Sabia que resistir seria inútil, mas o medo paralisava-lhe os movimentos.
- Quanto te dou uma ordem, espero que obedeças, criatura. – declarou Amara, pontapeando-o com violência. – Agora vais levantar-te. Ou o que acabas de sentir será uma suave carícia comparado ao que te reservo.
- Não, espera… - implorou Caledon, ofegante – Eu… Eu obedeço.
Amara assentiu, fitando, com um sorriso, as patéticas tentativas do homem de erguer o seu corpo débil. Por várias vezes, vacilou, dividido entre o medo das consequências e a sua própria fragilidade, mas finalmente conseguiu suster-se sobre as suas pernas.
- Sentes medo? – perguntou Amara, observando o tremor que agitava o corpo do irmão – É por isso que tremes? Tens medo de mim?
- Sim. – murmurou Caledon, hesitante.
- Deixa-me adivinhar… Tens vontade de me implorar pela tua integridade, não tens? Que te poupe, que não te magoe muito… Que te mate, talvez?
- Porque não? – respondeu ele – Não é isso que queres? Ver-me morto? É justo… Faz sentido! Porque esperas?
Amara soltou uma gargalhada cruel.
- Justo! – exclamou - Serás assim tão idiota que nem sequer compreendes? Tu arruinaste toda a minha existência. Assassinaste a pessoa que eu mais amava no mundo! Estarás à espera que te execute com toda essa facilidade?
- Quem é essa em que te transformaste, Calana? – perguntou Caledon.
- Amara Morningstar. - replicou ela – O espírito da dor. O coração do ódio. A espada da vingança. Aquela que tu criaste.
- Como queiras. – assentiu o prisioneiro, resignado – E então? O que vais fazer?
Amara sorriu.
- Despe-te. – ordenou.
- Como…? – perguntou Caledon, confuso.
- O que eu disse.
Sem alternativas, o prisioneiro obedeceu, lançando por terra as vestes imundas, que Amara recolheu.
- Dizem que as noites vão ficar frias nos próximos tempos. – declarou esta, com um sorriso gélido – Dorme bem!
Caledon arfou de horror.
- Vais matar-me de frio?
Amara riu.
- Isso querias tu. – respondeu – Voltarás a ver-me bem antes disso.

- Amara. – chamou Delenia, ao ver a líder abandonar a zona onde eram retidos os prisioneiros – Posso falar contigo por um momento?
Amara imobilizou-se.
- Sobre o príncipe, presumo… - observou, com um sorriso gélido.
Hesitante, Delenia assentiu.
- Amara, por favor, ouve-me. – começou, antes que perdesse a coragem para falar – Não vou interceder pela vida dele. Não me vou pôr entre ti e a tua vingança. Mas certamente entenderás que, para o trazer comigo, recorri a meios que me envergonham e que preciso de me redimir.
- Se bem me recordo, – respondeu a líder – se tivesses cumprido as tuas ordens não terias trazido ninguém contigo e não haveria nada que redimir. Porque o trouxeste com vida?
Delenia vacilou.
- Não sei… - admitiu, após um momento de silêncio – Não imaginas como gostava de o compreender, mas a verdade é que não sei.
- Então explica-me – prosseguiu Amara – o que queres de mim, se não é interceder pela vida do Raven.
- Queria vê-lo. – murmurou Delenia, embaraçada – Falar-lhe. Explicar-lhe que…
- Que não és uma traidora? Que a tua acção não faz parte do teu carácter, mas que tiveste de o fazer?
- Sim.
- Louca… - replicou Amara – De todos os homens no mundo, apaixonas-te pelo inimigo. Não negues! – ordenou, vendo que a mulher se preparava para o interromper – Que outro motivo terias para te justificares perante um prisioneiro?
Delenia não respondeu. O que Amara dizia era, afinal, a mais pura verdade.
- Podes vê-lo, - declarou esta, benevolente – se precisas assim tanto de o fazer. Mas se queres continuar deste lado do campo de batalha, é melhor que comeces a afastar as fragilidades do teu coração. O teu príncipe é uma peça do inimigo que deixaste nas minhas mãos e pretendo usá-la da forma que me for mais favorável. Independentemente do que possas dizer ou sentir.
- É verdade o que dizem de ti! – murmurou Delenia, surpresa – O teu coração é de gelo.
- De gelo? – repetiu Amara, rindo – Não, Delenia. O gelo derrete. O meu coração é de pedra, frio, duro e impenetrável. E é assim que continuará a ser, por isso, se não me queres como líder, é melhor que o digas já.
- Sabes que não te segui por acaso. – respondeu Delenia – Acredito na tua causa, na tua guerra. Vou estar do teu lado e não precisas de duvidar disso. Mas é assim tão inalcançável para ti aquilo que eu sinto? Qual é, afinal, a tua relação com o lorde, se não sentes nada?
- A minha relação com o Soran não é assunto desta conversa! – exclamou Amara, enraivecida.
Delenia estremeceu.
- Tens razão. – disse, retractando-se – Perdi a noção do meu lugar. Perdoa-me…
Para sua surpresa, Amara sorriu.
- É assim tão importante para ti, o príncipe? – perguntou, benevolente – Muito bem, podes vê-lo. Quando eu partir. Creio que, em breve, terei uma audiência com o rei de Agaloth, e, por isso, estarei afastada durante algumas horas.
» Esta é a minha prova de confiança, Delenia. Será na minha ausência que verás o Raven. E, para teu bem e o do teu estranho protegido, é melhor que não haja problemas. Prova-me que mereces a minha confiança… e eu saberei merecer a tua fidelidade.

Encontrava-se sozinha há poucos minutos quando o seu silêncio foi interrompido pela chegada de Mordechai que, com um sorriso conspirador, a cumprimentou com uma vénia digna de qualquer corte nobre.
- Bem-vindo sejas, meu amigo – saudou-o Amara – Como correu a viagem?
- Esplendidamente. – respondeu ele – Sua Majestade, Doren Redscar, rei de Agaloth, aceitou o teu pedido de audiência, minha senhora.
- Óptimo. – replicou Amara, sorrindo – Gostava de ter visto a cara dele ao ouvir o meu nome de nascimento.
- Completamente surpresa, claro. – esclareceu ele – Mas diria que vais ter uma noite longa.
- Espera! – exclamou Amara – Será possível que… Para quando me conseguiste essa audiência?
- Para amanhã mesmo, senhora Westraven.
- Mordechai, és um diplomata de excelência. Não esperava que me conseguisses tanto.
Mordechai sorriu.
- Se a ordem é tua, - disse – nunca farei menos que o melhor.
- Agradeço-te, meu querido. Graças a ti, uma senhora partirá amanhã de Varin, para ser recebida pelo rei. Mas creio que uma escolta adequada não me faria mal… - acrescentou, pensativa.
- Não te preocupes com isso. – tranquilizou-a Mordechai – Providenciarei para que tenhas uma escolta digna de uma rainha.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Capitulo VI - Parte V

A rainha não precisou de muito tempo para tomar uma decisão. Rómulo foi nomeado o chefe da missão e escolhou cinco homens da sua confiança, ajoelhou-se perante a rainha e prometeu que ainda durante aquela tarde traria a cabeça da bruxa. Alessandra olhou para Arus Razza com um sorriso triunfante.

- Pois vês, a minha promessa será cumprida. - fez sinal a Rómulo para se levantar - Ainda hoje poderás pendurar a cabeça daquela odiosa criatura na tua sala e tomar chá olhando para os seus olhos mergulhados em sangue!
- Assim o espero - respondeu Arus retribuindo o sorriso - Que tudo farei para que amanhã tenhas o teu filho de volta.
- Não há tempo a perder. - afirmou a rainha, olhando para Rómulo - Sigam para a caverna de Luath imediatamente.
- Com todo o prazer - anuiu Rómulo com toda a satisfação - Vamos!
Os seis soldados encaminharam-se para a caverna perante o olhar da rainha e de Arus.

Na caverna de Luath enquanto Ofélia aquecia as suas mãos em uma pequena fogueira um dos seus corvos andava à sua volta crocitando sem parar.
Ofélia colocou as suas mãos no meio do fogo, manteve-as alguns segundos e depois retirou-as. Nem um sinal de queimadura. De seguida olhou para o corvo acenando com a cabeça afirmativamente.

- Como? Porque razão confia em Arus Razza, minha mãe? - questionou Elara depois de saber do acordo - Que prova de confiança tem?
- Arus só tem a ganhar com o regresso do teu irmão. O casamento é também do interesse dele. É por isso que eu sei que a sua palavra é verdadeira.
- Confia demais, minha mãe.
A rainha suspirou.
- Além disso, é um favor que me faz. Aquela bruxa nunca foi de bons prenúncios. E temo que mais cedo ou mais tarde pudesse causar danos no reino.
- Sabendo o ódio que Rómulo sente por ela...
- Ela está condenada. - sorriu a rainha - Condenada...

A tarde ia a meio quando Rómulo e os cinco homens avistaram a caverna de Luath.
- Façam pouco barulho agora. - avisou - Todo o cuidado é pouco.
Um dos soldados soltou um pequeno grito quando bateu com o seu joelho numa pedra.
- O que é que eu disse, Aramith? - perguntou Rómulo irritado - Pouco barulho!
Escondiam-se de rocha em rocha até chegarem perto da entrada da caverna. Quando estavam prestes a entrar, o barulho de inúmeros corvos fez com que estes olhassem para o céu.
Os corvos voavam em círculos e, subitamente, o vento fraco que soprava aumentou a sua intensidade.
- Feitiço! Feitiço! - exclamava Aramith amedrontado - Vamos morrer!
Rómulo apontou a sua espada em direcção à garganta de Aramith.
- Cobarde! A única pessoa que morrerá hoje é a bruxa! - exclamou Rómulo.
Os seis soldados entraram na caverna, onde a escuridão era total.
- Mal vejo onde piso. – Yaro, um dos outros soldados, avançava lentamente seguindo Rómulo.
- Ela já sabe que estamos aqui. – suspirou Rómulo – Prepararem as vossas espadas.
À excepção de Rómulo todos os outros soldados tremiam, receosos do que pudesse acontecer. Uma coisa era enfrentar um homem em combate, outra completamente diferente era ter como adversária uma bruxa. Tanto Yaro como Aramith repetiam muitas vezes que as bruxas não eram humanas. Teriam eles hipóteses contra alguém assim?
- Cumpre o teu dever – uma voz mórbida ecoou dentro da caverna – Aqui estou, daqui não fugirei. Faz o que tens a fazer. – disse Ofélia, aproximando-se de Rómulo.
Os restantes soldados afastaram-se, Ofélia encostou o seu pescoço à lâmina da espada do guerreiro.
- Se é o que desejas. – a bruxa sorriu – Força!
Rómulo paralisou alguns segundos, aquela criatura…a face da bruxa estava cheia de pó, o seu sorriso desvendava a falta de dois dentes, cheirava mal como se nunca tivesse tomado banho, os seus cabelos negros desalinhados dançavam ao sabor do vento que mesmo dentro da caverna continuava forte.
- Vamos, Rómulo! Bravo soldado do reino! Mata-me! Elimina-me antes que conte o teu segredo! Deixa o meu sangue correr até ficar estendida no chão inerte antes que revele o porquê do teu ódio! Antes que grite aos céus o teu apelido!
O rosto de Rómulo soltava fúria, apertou a estada com força, já não conseguia controlar o ritmo da sua respiração, desencostou a espada do pescoço da bruxa e em um movimento rápido atingiu um dos seus soldados, de seguida o segundo e o terceiro, sobrando apenas Yaro que tentou fugir enquanto gritava que a bruxa tinha possuído Rómulo.
- Tghar’em n’art! – exclamou a bruxa.
Vários corvos mergulharam na direcção de Yaro, provocando uma morte demorada e dolorosa.
Rómulo olhou para a bruxa fora de si.
- Um dia… Um dia acabaremos com isto!
O soldado dirigiu-se para a saída da caverna perante o olhar atento de Ofélia que sorria enquanto os corvos iam repousando nos seus braços.
 

site weekly hits
Corporate-Class Laptop