terça-feira, 29 de setembro de 2009

Os filhos de Raven - Cap.VII - Parte I

Rómulo caiu no chão sem aviso, cuspindo sangue pela boca e passou o braço pelos lábios para se limpar, olhando em seguida para a rainha. Nos olhos dela uma mistura de ódio e desprezo centravam-se no soldado.
- Inútil! Como pudeste falhar algo tão fácil? E acima de tudo que comandante cobarde és tu que abandonas quem te serve com receio da morte?
- Vossa majestade… - Rómulo levantou-se lentamente – Nada me satisfaria mais que a morte daquela mulher…mas não consegui…
- Perderás os teus caprichos, Rómulo. Deixarás de passear livremente pelo castelo. – afirmou a rainha – Deste momento em diante és apenas mais um simples soldado, nunca mais capitanearás nada! Nem um simples conjunto de moscas!
- Como vossa majestade ordenar. – resmungou o soldado virando costas – Como quiser.
- Pára! – A rainha gritou ao mesmo tempo que fazia sinal a dois soldados para o agarrarem. Aproximou-se do soldado e com a unha do dedo mindinho da sua mão direita rasgou um centímetro de pele na face de Rómulo. O sangue escorreu pela face adiante, acumulando-se no queixo, de onde seguia gota a gota para o chão do castelo.
- Miserável…que seja a última vez que me viras costas! – exclamou a rainha – Larguem-no.
Os dois soldados obedeceram e deixaram Rómulo, que olhava para o chão envergonhado.
- Olha para mim! – exigiu a rainha – Nunca desvies os olhos da rainha!
Rómulo obedeceu.
- Preciso que entregues alguém a Arus. Ele precisa de acreditar que a bruxa está morta para partir em busca do meu filho. Queima o corpo de forma a que não seja reconhecível. – explicou a rainha – Posso confiar em ti para esta missão ou também falharás? É que se falhares não há mais perdão! E não será só com a descida de posto que precisarás de preocupar-te!
- Não, minha rainha. – respondeu Rómulo – Em duas horas, um corpo queimado estará diante da porta de entrada do senhor Arus Razza.
- Esquece as promessas. Esquece as palavras. E age!
Rómulo saiu apressado da sala do trono nem dirigindo palavra a Elara quando se cruzou com ela em um corredor.

Isís encontrava-se no seu quarto, a andar nervosamente de um lado para o outro, quando o pai bateu à porta.
- Entre. – concedeu a jovem. – Pode entrar, meu pai.
Arus entrou e notou a agitação da filha.
- Tem calma, minha filha. – pediu o pai – Amanhã organizaremos uma busca para recuperar o teu noivo.
A filha sentou-se na cama sem dizer palavra. Arus saiu do quarto. Assim que o pai se afastou, Isís soltou um pouco audível “Idiota”.

Elara estava no seu quarto olhando para o retrato do seu trisavô. No meio da confusão com os arqueiros o medalhão de Azhar tinha desaparecido. Nunca pensara ficar sem aquele objecto que tanto estimava. Nunca pensara que todos os seus planos pudessem estar a desabar.

Ruas próximas de Fortuna. Aqui era o sitio ideal para Rómulo encontrar o que pretendia. Por aqui paravam as mulheres que serviam as luxúrias dos homens, mulheres sem família, esquecidas por todos, que só serviam para o prazer, mulheres de que ninguém ia questionar o desaparecimento. Apenas tinha que procurar uma com semelhanças físicas com a bruxa, tamanho e peso. O resto não interessava, afinal o corpo estaria queimado. Tudo ficava resolvido, a rainha poderia contar com a ajuda de Arus, que provavelmente só descobriria do engodo quando voltasse da tentativa de resgate do príncipe.
Rómulo nunca tinha visto a rainha a agir de forma tão cruel, tão rígida e violenta. A morte do rei tinha de facto afectado a mulher, e o soldado sabia que caso não conseguisse levar o plano dela para a frente provavelmente seria entregue aos leões.
Uma mulher mal vestida de uns aparentes quarenta anos passeava-se pelas ruas oferecendo os seus préstimos. O soldado analisou a mulher, servia na perfeição para os seus intentos.
- Meu bom soldado que lutas pelo nosso bem, que lutas pelo bem do reino, não há nada que te possa fazer? Por poucas moedas de ouro posso fazer tudo.
Rómulo anuiu, sorrindo. Os dois foram para um canto longe da luz.
As mãos do soldado procuraram o peito da mulher. Beijou-a até que esta ficasse sem fôlego. Percorreu o seu corpo. Já fazia tanto tempo que não estava com uma mulher… Deixou-a tomar controlo, entregando-se ao prazer, e no auge de tudo possuiu-a. Tudo isto não demorou mais de cinco minutos. Depois, recompôs-se e, aproveitando que a mulher estava de costas, atingiu-a com uma pedra. A mulher caiu sem sentidos. Cobriu-a de tudo aquilo que mais facilmente se incendiaria e usando uma das tochas que iluminavam aquela rua, pegou-lhe fogo. Apesar da rua não ser muito frequentada, os poucos curiosos que se atreviam a tentar perceber o que se passava recuavam quando notavam a presença de Rómulo.

Como prometido à rainha, ainda nem duas horas tinham passado quando o corpo queimado foi entregue na casa de Arus Razza pelo próprio soldado.
- Nem sabes como a minha alma está alegre hoje. – sorriu Arus – Diz à rainha que amanhã de manhã partirei em busca do príncipe.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Capítulo VI (Parte VI)

Quando entrou na escura e fria divisão que, pelo seu desconforto, fora adaptada a cárcere de Caledon, Amara trazia nos lábios um sorriso de gelo. Os seus olhos eram cristais de repulsa, fixos na figura trémula e prostrada do seu irmão que, ao ver a sua chegara, se afastara para o canto mais distante.
- Bons dias, irmão. – saudou Amara, irónica.
O lorde não respondeu.
- Mas que tens? – prosseguiu ela, implacável – Porque te afastas, se ainda não te fiz nada? Será que te desagradam os teus novos aposentos?
- Precisas de perguntar? – murmurou ele, compreendendo que a mulher não se afastaria sem respostas – Olha à tua volta!
Amara sorriu, enquanto os seus olhos se demoravam pelo espaço. A humidade escorria pelas paredes e o chão vazio prometia tudo menos um sono tranquilo. A um canto, a imundície acumulava-se, ameaçando preencher o ar com o seu cheiro fétido. E ainda passara tão pouco tempo… Como seria o prosseguir dos dias naquele espaço insuportável?
- O que queres de mim? – perguntou Caledon, e o medo que o dominava parecia fazer com que o seu corpo se enroscasse ainda mais sobre si próprio – Vais manter-me aqui até que morra? Não terás tu qualquer misericórdia?
- Não. – interrompeu Amara, terminante – Não tenho misericórdia de criaturas como tu. Precisarás que te recorde o que me fizeste? Queres que o faça?
Caledon não respondeu.
- Bem me parecia. – prosseguiu a captora – Afinal sabes que cada memória que me fizeres remexer será um novo momento de dor para a tua patética existência. Levanta-te! – ordenou, de súbito.
O prisioneiro hesitou. Sabia que resistir seria inútil, mas o medo paralisava-lhe os movimentos.
- Quanto te dou uma ordem, espero que obedeças, criatura. – declarou Amara, pontapeando-o com violência. – Agora vais levantar-te. Ou o que acabas de sentir será uma suave carícia comparado ao que te reservo.
- Não, espera… - implorou Caledon, ofegante – Eu… Eu obedeço.
Amara assentiu, fitando, com um sorriso, as patéticas tentativas do homem de erguer o seu corpo débil. Por várias vezes, vacilou, dividido entre o medo das consequências e a sua própria fragilidade, mas finalmente conseguiu suster-se sobre as suas pernas.
- Sentes medo? – perguntou Amara, observando o tremor que agitava o corpo do irmão – É por isso que tremes? Tens medo de mim?
- Sim. – murmurou Caledon, hesitante.
- Deixa-me adivinhar… Tens vontade de me implorar pela tua integridade, não tens? Que te poupe, que não te magoe muito… Que te mate, talvez?
- Porque não? – respondeu ele – Não é isso que queres? Ver-me morto? É justo… Faz sentido! Porque esperas?
Amara soltou uma gargalhada cruel.
- Justo! – exclamou - Serás assim tão idiota que nem sequer compreendes? Tu arruinaste toda a minha existência. Assassinaste a pessoa que eu mais amava no mundo! Estarás à espera que te execute com toda essa facilidade?
- Quem é essa em que te transformaste, Calana? – perguntou Caledon.
- Amara Morningstar. - replicou ela – O espírito da dor. O coração do ódio. A espada da vingança. Aquela que tu criaste.
- Como queiras. – assentiu o prisioneiro, resignado – E então? O que vais fazer?
Amara sorriu.
- Despe-te. – ordenou.
- Como…? – perguntou Caledon, confuso.
- O que eu disse.
Sem alternativas, o prisioneiro obedeceu, lançando por terra as vestes imundas, que Amara recolheu.
- Dizem que as noites vão ficar frias nos próximos tempos. – declarou esta, com um sorriso gélido – Dorme bem!
Caledon arfou de horror.
- Vais matar-me de frio?
Amara riu.
- Isso querias tu. – respondeu – Voltarás a ver-me bem antes disso.

- Amara. – chamou Delenia, ao ver a líder abandonar a zona onde eram retidos os prisioneiros – Posso falar contigo por um momento?
Amara imobilizou-se.
- Sobre o príncipe, presumo… - observou, com um sorriso gélido.
Hesitante, Delenia assentiu.
- Amara, por favor, ouve-me. – começou, antes que perdesse a coragem para falar – Não vou interceder pela vida dele. Não me vou pôr entre ti e a tua vingança. Mas certamente entenderás que, para o trazer comigo, recorri a meios que me envergonham e que preciso de me redimir.
- Se bem me recordo, – respondeu a líder – se tivesses cumprido as tuas ordens não terias trazido ninguém contigo e não haveria nada que redimir. Porque o trouxeste com vida?
Delenia vacilou.
- Não sei… - admitiu, após um momento de silêncio – Não imaginas como gostava de o compreender, mas a verdade é que não sei.
- Então explica-me – prosseguiu Amara – o que queres de mim, se não é interceder pela vida do Raven.
- Queria vê-lo. – murmurou Delenia, embaraçada – Falar-lhe. Explicar-lhe que…
- Que não és uma traidora? Que a tua acção não faz parte do teu carácter, mas que tiveste de o fazer?
- Sim.
- Louca… - replicou Amara – De todos os homens no mundo, apaixonas-te pelo inimigo. Não negues! – ordenou, vendo que a mulher se preparava para o interromper – Que outro motivo terias para te justificares perante um prisioneiro?
Delenia não respondeu. O que Amara dizia era, afinal, a mais pura verdade.
- Podes vê-lo, - declarou esta, benevolente – se precisas assim tanto de o fazer. Mas se queres continuar deste lado do campo de batalha, é melhor que comeces a afastar as fragilidades do teu coração. O teu príncipe é uma peça do inimigo que deixaste nas minhas mãos e pretendo usá-la da forma que me for mais favorável. Independentemente do que possas dizer ou sentir.
- É verdade o que dizem de ti! – murmurou Delenia, surpresa – O teu coração é de gelo.
- De gelo? – repetiu Amara, rindo – Não, Delenia. O gelo derrete. O meu coração é de pedra, frio, duro e impenetrável. E é assim que continuará a ser, por isso, se não me queres como líder, é melhor que o digas já.
- Sabes que não te segui por acaso. – respondeu Delenia – Acredito na tua causa, na tua guerra. Vou estar do teu lado e não precisas de duvidar disso. Mas é assim tão inalcançável para ti aquilo que eu sinto? Qual é, afinal, a tua relação com o lorde, se não sentes nada?
- A minha relação com o Soran não é assunto desta conversa! – exclamou Amara, enraivecida.
Delenia estremeceu.
- Tens razão. – disse, retractando-se – Perdi a noção do meu lugar. Perdoa-me…
Para sua surpresa, Amara sorriu.
- É assim tão importante para ti, o príncipe? – perguntou, benevolente – Muito bem, podes vê-lo. Quando eu partir. Creio que, em breve, terei uma audiência com o rei de Agaloth, e, por isso, estarei afastada durante algumas horas.
» Esta é a minha prova de confiança, Delenia. Será na minha ausência que verás o Raven. E, para teu bem e o do teu estranho protegido, é melhor que não haja problemas. Prova-me que mereces a minha confiança… e eu saberei merecer a tua fidelidade.

Encontrava-se sozinha há poucos minutos quando o seu silêncio foi interrompido pela chegada de Mordechai que, com um sorriso conspirador, a cumprimentou com uma vénia digna de qualquer corte nobre.
- Bem-vindo sejas, meu amigo – saudou-o Amara – Como correu a viagem?
- Esplendidamente. – respondeu ele – Sua Majestade, Doren Redscar, rei de Agaloth, aceitou o teu pedido de audiência, minha senhora.
- Óptimo. – replicou Amara, sorrindo – Gostava de ter visto a cara dele ao ouvir o meu nome de nascimento.
- Completamente surpresa, claro. – esclareceu ele – Mas diria que vais ter uma noite longa.
- Espera! – exclamou Amara – Será possível que… Para quando me conseguiste essa audiência?
- Para amanhã mesmo, senhora Westraven.
- Mordechai, és um diplomata de excelência. Não esperava que me conseguisses tanto.
Mordechai sorriu.
- Se a ordem é tua, - disse – nunca farei menos que o melhor.
- Agradeço-te, meu querido. Graças a ti, uma senhora partirá amanhã de Varin, para ser recebida pelo rei. Mas creio que uma escolta adequada não me faria mal… - acrescentou, pensativa.
- Não te preocupes com isso. – tranquilizou-a Mordechai – Providenciarei para que tenhas uma escolta digna de uma rainha.
 

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