sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Capítulo II (Parte 6)

Amanhecia, um dia que se prometia azul e luminoso, demasiado belo para o fatídico destino que sobre o seu tempo pairava. A luz invadia a terra, dispersando as sombras em formas mais nítidas e, perante o fatigado olhar da apreensiva Amara, a aurora revelava-se no renascer de todo o seu soberbo esplendor.
Na sua mente, contudo, parecia-lhe que não devia ser assim. Devia chover como se o próprio apocalipse ameaçasse descer sobre a cabeça dos homens, desfazendo em cinzas e sangue tudo o que a sua mão alcançasse. Os relâmpagos deviam rasgar os céus ao ritmo do trovão, abrindo ao funesto dia que surgia o presságio de uma morte em vias de caminhar entre os vivos.
Vingança… O sussurro da sedutora divindade pulsava-lhe nas veias como se um tambor ribombasse nos abismos. Aproximava-se o momento, a sua hora, quando o ódio que lhe alimentara alma e pensamento se tornaria, finalmente, real, mas, ainda assim, não conseguia evitar que uma vaga sensação de mau presságio lhe assombrasse o coração.
Quantas vidas arriscava, afinal, apenas para conquistar a morte dos seus inimigos? Porque, por mais que se tentasse convencer do contrário, e ainda que soubesse que a morte dos Raven faria de Lithian um lugar melhor, ela sabia que a força que ditava as suas acções não era assim tão nobre. Na verdade, os seus fins eram puramente egoístas. Queria a morte da criatura que lhe destruíra a vida e dos cruéis senhores que lhe haviam dado todo o seu apoio.
Silenciosamente, Amara desviou o olhar dos céus, preparando-se para entrar em casa. Com o florescer da manhã, sabia que o movimento despertaria na aldeia dos conspiradores e não queria que as suas apreensões perturbassem a tranquilidade daqueles que passara a ver, talvez com exagerada presunção, como o seu povo.
Quando se voltou, contudo, na direcção da sua casa, foi detida por um olhar intenso e luminoso que se fixava no seu, fitando-a com uma suave interrogação na sua expressão. Não sabia há quanto tempo ele estaria ali, mas, ainda que nada dissesse, sabia que ele compreendia os seus medos e que a preocupação que o seu rosto reflectia era, para ele, um maior motivo de perturbação que quaisquer conspirações que pudessem tramar.
- Tranquiliza-te, Amara. – disse Mordechai, suavemente – Sei que as tuas apreensões são plenamente justificadas pela situação, mas, ainda assim, a tua preocupação não vai mudar o que tiver de acontecer.
Amara assentiu.
- Eu sei. – murmurou – Mas pergunto-me se existirá perdão para a responsável por todas as vidas sacrificadas em nome da minha vingança…
- É mais que vingança, caríssima. – interrompeu Mordechai, colocando-lhe um dedo sobre os lábios – E, ainda que as tuas dúvidas te tentem persuadir do contrário, tu sabes que é verdade. Se a tua luta não fosse justa, não terias em teu redor os fiéis que tens.
Levemente, Amara sorriu.
- E tu, Mordechai… - disse – Tu, que me conheceste noutra vida, noutro nome… Quando eu não era mais que uma criança demasiado protegida pelo carinho dos meus pais. Que tinhas uma vida tão grande pela frente, jovem senhor de um grande nome e de um território próspero, mas que nunca deixaste de ser os meus olhos no mundo que me expulsou, que me procuraste para lá das fronteiras da nossa antiga vida, e que, agora, também foste condenado… Diz-me, lorde Mordechai Gray. É, ou não, verdade, que foi pela tua ligação a mim que foste condenado?
Mordechai hesitou, relutante em admitir aquilo que, ainda que nunca devidamente selado pelo nome da sua líder, não deixava de ser um facto incontornável.
- A verdade, meu amigo. – insistiu Amara, compreendendo as suas apreensões – Diz-me a verdade.
Lentamente, ele respondeu com um gesto afirmativo.
- A verdade – disse – é que houve uma voz que sussurrou aos ouvidos do rei o quanto eram suspeitas as minhas divagações pela fronteira. Não tardou muito até me acusar de conspiração e pedir o meu julgamento, mas… Ainda que eu tenha assumido o negro dos condenados, a verdade é que os Raven nunca me tiveram nas mãos. Não creio que estivesse vivo caso isso tivesse acontecido. O rei tem os seus informadores, mas eu também tinha os meus, e fui avisado a tempo de que fora decretada uma ordem de prisão contra mim.
- Uma voz que sussurrou aos ouvidos de Amon Raven… - repetiu Amara, intrigada – E, que, presumo, terá também garantido, com a tua condenação, a posse das tuas propriedades.
Mordechai assentiu.
- Caledon? – perguntou Amara, bruscamente, como se o nome que acabava de pronunciar fosse uma espécie de temível maldição.
- Caledon. – confirmou Mordechai, vendo, perturbado, a forma como um gélido sorriso ganhava, subitamente, vida nos lábios da sua amiga de sempre.
Lentamente, com a formalidade que usaria perante uma corte, Amara estendeu-lhe a mão para que ele a tomasse.
- No meu mundo, – prometeu, enquanto ele aceitava o seu gesto – voltarás a ser lorde Mordechai Gray. E, seja justiça ou vingança o nome do estandarte que seguramos, o sangue dos Raven há-de manchar o chão de Lithian.
» Quanto ao de Caledon… - acrescentou – Não terei paz enquanto não o vir nas minhas mãos.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Capitulo II (Parte 5)

Na trilha que separava as montanhas Göol do território de Lithian, revelava-se um mosteiro conhecido como Herä. Este dava abrigo a vários padres ou pessoas que desejavam estar afastados do mundo, que procuravam a sua paz interior. Entre eles, encontrava-se o presbítero responsável pela cerimónia real do dia seguinte, o padre Ardheus. A distância do mosteiro até ao castelo ainda obrigava a uma viagem de algumas horas, pelo que o padre preparava as coisas para ainda começar a sua viagem de madrugada. Pensativamente, o sacerdote pançudo e de baixa altura arrumava as coisas de que precisava na sua pequena mala preta. A roupa e as substâncias proibidas eram excessivas, o que conduziu a uma luta pessoal entre o padre e a sua mala. Furioso com a mala por esta não fechar, decidiu-se por saltos, não muito altos pois o seu peso não lhe autorizava grande gincana na gravidade, mas com um vigor capaz de exibir ao obstinado objecto quem mandava.
Subitamente, a porta do seu quarto abriu-se, provocando a sua queda de cima da mala, e levando a que se estatelasse no chão. Rapidamente, Ardheus elevou-se do solo, tentando ocultar o embaraço que a situação lhe proporcionava.
- Padre Ardheus, está pronto para seguir? – questionou a Superiora Eneida.
- Sim, sim. – respondeu ele, atrapalhado – Já tenho a mala pronta.
Eneida olhou para a mala e abanou a cabeça reprovadoramente.
- Pelo inchaço do objecto, cogita permanecer lá um mês e não um simples fim-de-semana.
- São tudo coisas estritamente necessárias. – afirmou o padre, já recomposto.
- Sabe, – contrapôs a Superior – o que sempre ensinamos neste mosteiro é a usar o mínimo possível. Há quem tenha menos que nós.
- Animais do mato. – respondeu Ardheus com uma voz mais alta – São animais do mato. Vis e traidores que nem se lembram de ir às nossas cerimónias religiosas.
- Padre Ardheus! – exclamou a Superiora, subitamente imperativa - Nós não julgamos. Nós não criticamos. Nós não difamamos. É assim que funciona este mosteiro e sabia perfeitamente disso quando para cá veio. Tenho pleno conhecimento de que simpatiza com uma vida mais abundante, mas aqui ninguém deseja isso. Aproveite a sua viagem para reflectir se vale a pena regressar e, caso conclua que a nossa vida simples e sem luxos não o satisfaz, use as suas influências conseguidas por favores dos quais preferia não ter conhecimento e fique por lá.
- A minha dedicação a algo maior não tem que obrigar-me a viver uma vida de pedinte – explicou Ardheus, insinuante – Quem sabe não seguirei o seu conselho…
Antes de fechar a porta do quarto do padre, a Superiora deitou-lhe um último olhar zangado e frio.
- Não coma é muita carne nessa vida de prosperidade. - disse - Mais uns quilos que engorde e provavelmente resolvem servi-lo como prato de jantar.
Eneida bateu a porta com força, largando um Ardheus desgostoso e irritado, que, tentando acalmar a sua cólera, vasculhou na sua mala até encontrar uma pequena garrafa de vinho.
- Que o sangue de algo superior me dê animo para o que aí vem. – suspirou, abrindo a garrafa.

Fortuna. Era este o local em Lithian onde os nobres procuravam mulheres para momentos prazerosos. Em Fortuna encontrava-se a mulher mais bonita do reino e por essa mesma razão a mais apetecida, Ceres. Já muitos haviam perdido a vida por ela, muitos confrontos haviam sucedido entre nobres casados mas hipnotizados pela figura de Ceres. Era este, pois, o sítio ideal para a noite boémia de Adhemar e Gälart.
- Meu primo, – observou Gälart, sorrindo – esta noite será memorável.
- Gälart ,– começou Adhemar, retribuindo o sorriso – não é para te contrariar mas já aqui passei várias noites inesquecíveis. E continuarei a passar, até porque prevejo que quando estiver casado serão noites ainda melhores. Terá mais graça.
Ceres aproximou-se deles, rindo suavemente.
- E por falar em graça… - murmurou Gälart, deleitado.
- O que posso fazer por si, meu príncipe? – perguntou Ceres, sentando-se no colo de Adhemar.
- O que um homem e uma mulher fazem no seu quarto. – replicou este . Serás minha escrava esta noite. As moedas de ouro que entreguei chegam e sobram para as horas que pretendo.
Ceres levantou-se e deu a sua mão ao príncipe.
- Venha.

Gälart não ficou muito tempo sozinho, pois, quase de imediato, uma outra mulher sentou-se à sua beira.
- Olá… – questionou, entusiasmada – O que deseja um tão belo nobre?
- Gosta de poesia? – interrogou Gälart.
- Hoje agradar-me-á tudo o que for do seu agrado. – respondeu a mulher aproximando-se e colocando o seu braço no rosto do primo do príncipe. Este, porém, ignorou o gesto, levantando-se de forma brusca em direcção a outras duas mulheres.

A viagem do padre Ardheus já ia a meio quando se sentiu obrigado a deter-se. Apreensivo, desmontou do seu cavalo e olhou para o céu negro, para ver que sete pequenos corvos andavam em círculos crocitando. Aquele barulho assustador já o perseguia desde o pequeno cruzamento de estradas à saída do mosteiro, mas só agora compreendia a sua origem.
- O que querem? – perguntou o padre amedrontado – Eu não estou morto, seus poltrões! Não aguardem pela minha carne fresca!
Com gestos bruscos, procurou na sua pequena mala a garrafa de vinho e bebeu mais um gole.
- Eu ainda tenho muitos anos de vida! – prosseguiu, guardando a pequena garrafa no bolso da sua batina, ainda que antecipando já que viria a precisar dela mais uma vez.

- Tu sabias que és a mulher mais bonita do reino? – questionou Adhemar.
- É delicadeza sua. – respondeu Ceres, sorrindo.
- Se desejare,s prepararei um quarto para passares noites no castelo. Serás bem recompensada por isso.
- E a sua esposa? – perguntou Ceres, maliciosamente.
- A minha esposa? – repetiu o príncipe, com um sorriso cruel - Ela estará bem entretida com os tricôs.

- Rainha, rainha. – repetia Rómulo batendo na porta – Rainha, rainha.
Com um gemido arrepiante, porta do quarto abriu-se. Por momentos, a expressão desarranjada e sonolenta da rainha assustou Rómulo. Ao fundo, podia ouvir o ruidoso ressonar do rei adormecido.
- Tem que vir à porta. – disse Rómulo - O padre chegou…bêbado!

- A sua poesia é maravilhosa. – afirmou uma das mulheres que estava deitada ao lado de Gälart.
- É sim. – confirmou a outra mulher.
- Duas pérolas foi o que eu encontrei, aqui neste lugar onde nunca pensei, tanto amor achei, duas pérolas pelas quais morrerei. – recitou Gälart, enquanto incitava as duas mulheres a tocarem-se.

- Bêbado! – exclamou a rainha, olhando para o padre – A sua sorte, padre Ardheus, é que não acordei o rei, senão com certeza que a sua cabeça seria deitada aos leões!
- Minha rainha, – respondeu o padre, sorrindo exageradamente – a minha senhora não vê esta noite tão linda? A lua… – os seus olhos estavam esbugalhados – É preciso agradecermos tudo isto! É preciso beber o sangue mais divino…
- Mete o padre debaixo de água fria – disse a rainha a Rómulo – e depois arranja-lhe um quarto. Agora preocupa-me o casamento, mas a seu tempo devido encontrarei um castigo para este untuoso!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Capítulo II (Parte 4)

Também os pensamentos de Delenia se enredavam entre novelos de silêncio, enquanto sob a chuva tormentosa, caminhava em direcção a Vareil, a capital de Lithian, onde deveria cumprir o seu último e derradeiro objectivo.
Tal como muitos dos aliados de Amara Morningstar, também ela era uma proscrita, ainda que, contrariamente àquela que seguira, com um motivo bastante válido para o fazer. Nunca deixaria de ostentar no seu rosto as marcas que a haviam guiado ao crime, as cicatrizes que, com um ferro ao rubro, o homem a quem fora entregue lhe marcara no corpo. Demasiadas vezes o monstro a quem fora dada em casamento julgara, ao fitar os seus olhos atormentados, que ela se quedaria, sofrendo em silêncio ante as suas torturas. Mas naquela noite, na noite em que renegara a sua vida e fugira do reino que consentia com tais crimes, Delenia deixara a sua vingança na forma de uma lâmina cravada sobre o corpo do seu hediondo marido.
Quando cruzara a fronteira de Lithian, Delenia julgara ter pela frente uma existência de fuga, mísera e solitária, mas o que encontrara fora bem diferente. Encontrara Amara, e, com ela, uma promessa de lealdade, de tranquilidade e de vingança. No tranquilo refúgio de Varin, Delenia tornara-se forte e hábil, e, por dever a Amara a vida e a força que, um dia, lhe permitiria derrubar todos os homens, que via semelhantes à besta que repetidamente a torturara, ganhara para com a sua líder uma eterna dívida de gratidão.
E ali estava, finalmente, a poucos passos da vingança prometida, com a chuva por testemunha da sua persistência e as árvores sombrias como vigias da sua lealdade. Dentro de algumas horas, o sangue de um Raven mancharia as suas mãos e o fogo consumiria as ruínas daquela família. E ela, a assassina, a exilada, estaria na primeira fila para assistir ao fim dos seus inimigos. “Com um sorriso nos lábios”, pensou “e uma espada nas mãos.”

Entretanto, no seu sombrio gabinete, o conselheiro Lothian caminhava nervosamente, de um lado para o outro, tentando, em vão, impor silêncio às suas apreensões. Sabia que, algures na obscuridade, os restantes enviados da conspiração em que se envolveram, aguardavam o momento em que a sua missão seria finalmente cumprida. Ele, contudo, não conseguia silenciar as vozes que, no seu pensamento, lhe murmuravam que o plano de que eram parte não poderia deixar de acabar em fracasso.
Contava-se entre os poucos que conheciam a verdadeira identidade da força que liderava aquela conspiração. Na verdade, fora esse o motivo que levara a que desse a sua lealdade à mulher que se escondia sob a identidade de Amara Morningstar. A razão que a levava a comprometer a sua vida da forma como estava em vias de fazer, contudo, era outra. O seu ódio pelos Raven estendia-se, tal como o de Amara, à figura de Caledon Westraven, a quem, como recompensa pelos serviços prestados ao reino, fora cedido o título que anteriormente lhe pertencera, bem como as suas propriedades. Afinal, como o próprio rei dissera, enquanto o despojava de tudo o que tinha, um conselheiro deveria viver para o reino e não para as suas próprias posses.Silenciosamente, Lothian fitava o pequeno frasco que segurava nas mãos ligeiramente trémulas, um pequeno recipiente de vidro, completamente preenchido por um líquido escarlate, tão rubro como o sangue que, no dia seguinte seria derramado. O que precisava de saber, contudo, para obter alguma tranquilidade antes do dia seguinte, não seria revelado senão quando os acontecimentos se precipitassem. Que sangue mancharia as pedras de Vareil quando o próximo crepúsculo descesse...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Capitulo II (Parte III)

A noite avançava vagarosamente, gris e lúgubre. A chuva parou, mas o vento aumentou o seu brado, não deixando ninguém indiferente.
Nas montanhas de Göol, Ofélia encontrava-se no acolhimento da caverna de Luath. Os seus longos, sórdidos e desarranjados cabelos negros esvoaçavam, levados pelo vento, e os seus olhos estavam cravados no céu lavado de estrelas com a lua como paisagem de fundo.
- Esnot oudire corvoe rapressa! Esnot oudire corvoe rapressa! – repetiu a bruxa, com o braço direito levantado e o punho fechado.
Alguns instantes depois, um corvo anafado porém expedito irrompeu no céu, sendo custoso distingui-lo da própria noite. Empoleirou-se no punho da bruxa e crocitou, aparentando uma perturbação invulgar.
- Daei boslet anima vet? – questionou a bruxa.
Conservando-se sobre a mão tapada de Ofélia, o corvo bateu as asas três vezes.
- Dimana atarterei escozine?
A bruxa abriu a sua mão e o corvo grafou, picando com o seu bico, o nome Amara, desaparecendo depois no ar. Ofélia reteve o seu olhar na palavra escrita na sua mão, sem se importunar com o sangue que escorria da sua mão devido às crivadas do corvo.

Elara tinha conhecimento que a pequena sala ao lado do quarto do seu irmão era o sítio perfeito para rever o plano do dia seguinte. Afinal, Adhemar havia saído com o seu primo para uma noite de boémia antes do casamento. "Bendita a estupidez do meu irmão", não se coibiu de pensar. Com todo o cuidado possível, Elara juntou na pequena sala Rómulo e mais dois homens.
Travai Raillart e Archat Waillium eram os dois melhores arqueiros do reino. O primeiro odiava o rei e foi fácil de convencer a participar no plano. O segundo, desde sempre um membro fiel do exército do rei, desejava deixar os seus serviços para partir com a sua amada Anna para territórios mais calmos. Sabia, contudo, que, se o fizesse, seria acusado de traição e provavelmente morto sem qualquer julgamento. A morte do rei e a liberdade de Archat mais algumas moedas de ouro. Quando Rómulo anunciou à princesa os desejos dos arqueiros ela sorriu.
- Convoquei-vos hoje por uma simples razão – começou Elara – Não quero falhas amanhã! Não é aceitável! Qualquer erro será fatal e evitará que eu suba ao trono. O meu pai e o meu irmão têm que morrer amanhã!
- Quer rever o plano? – perguntou Archat.
- Sim, sim, quero. – respondeu Elara - Não posso permitir condescendências. Desgraçadamente, estou nas vossas mãos e não nas únicas em quem confio…as minhas. Tenho a esperança de não ter pactuado com dois arqueiros incapazes…porque se tudo não correr da forma que desejo, podeis estar certos de que as moedas de ouro serão uma utopia e a vossa morte uma certeza! Da forma mais horrenda que a minha mente tiver a capacidade de idealizar!
- Estaremos à hora marcada nas torres do castelo, desde que o cavaleiro Rómulo use as suas influências para deixar deserta a porta que nos levará às torres. – explicou Travai – Eu apontarei ao seu irmão, enquanto Archat terá como alvo o seu pai… Tudo acabará em segundos.
- E se forem apanhados? – interrogou Elara.
- Aproveitaremos a confusão para a fuga, porém, se formos presos não indicaremos o seu nome. Sabemos que depois de estar no trono nos soltará e pagará o que é devido. – sorriu Archat.
- Como poderemos confiar na sua palavra? Que garantias temos que depois do trono nos soltará? – questionou Travai.
Elara sorriu, tirou um medalhão que carregava ao pescoço e entregou-o ao arqueiro.
- Guarda isto. É um medalhão de Azhar, o meu trisavô, o único Raven digno do seu apelido. Acredites ou não, é algo de grande valor para mim. Devolver-mo-ás através de Rómulo se o plano correr bem, ou quando fores liberto caso sejam apanhados.
- Vamos embora então, antes que o seu irmão chegue. – disse Archat.
Archat e Travai saíram da sala deixando Elara sozinha com Rómulo.
- O medalhão…
- Há coisas mais importantes agora – interrompeu Elara – Caso eles sejam presos, cortarei as mãos dos dois se não me entregarem o medalhão. Para onde vão eles depois do golpe?
- Para as montanhas de Göol. Uma pequena caverna bem distante da bruxa. – respondeu Rómulo. – Mas se for seu desejo, por mais umas moedas de ouro eles podem visitar a bruxa na sua caverna para a eliminar.
- Já te disse que ela é mais importante viva do que morta. Não será obstáculo, muito pelo contrário. - Elara abriu a porta e fez sinal a Rómulo para sair. – Vamos, antes que nos vejam por cá.

domingo, 9 de novembro de 2008

Capítulo II (Parte 2)

Naquela noite, o sono faltou-lhe, afugentado pela sombra de todos os acontecimentos iminentes. Era, agora, somente uma questão de tempo até que os seus inimigos tombassem sob a força da sua mão vingativa, mas decretada a pena de morte, o peso da decisão que tomara assombrava-lhe o pensamento.
Levemente, Amara suspirou, deixando o calor da sua cama, para se levantar, ainda outra vez, em direcção à janela do seu quarto. Ali, os seus olhos encontraram a chuva, e, mais uma vez, o seu pensamento derivou até ao passado, à recordação do porquê de ter decretado a morte do seu próprio irmão.

Ainda se recordava da farsa que o seu irmão montara após a decisão do rei. Como familiar destroçado e entristecido, Caledon fizera questão de a acompanhar até à fronteira de Lithian, ostentando perante todos uma fronte chorosa e desolada, que, esporadicamente, quando se encontrava a sós com o olhar da sua irmã, se rasgava no esboço de um sorriso cruel. E depois, quando o lugar do exílio chegara, Caledon afastara-se, sem discursos, como se a dor o ferisse demasiado para o ferir, mas com uma simples frase murmurada, capaz de rasgar com mais precisão que uma espada.
- Devias ter ficado calada.
No silêncio dos bosques que delimitavam a passagem para o reino de Agaloth, Amara divagara, sozinha com as suas lágrimas e a sua raiva, encontrando na obscuridade do espaço uma negrura igual à que a invadira. E, enquanto corria, desolada e desesperada, amaldiçoando em silêncio a figura do seu irmão, conjuntamente com a da família que a condenara, a jovem exilada deparou-se com o sinal que buscava. Sem saber para onde se dirigia, Amara encontrara, diante de si, a forma do abismo.
Por um momento, as pernas tremeram-lhe, hesitantes acerca do que a sua mente lhes ordenava. Depois, contudo, a decisão tornou-se força, e Amara avançou um passo, ficando, em seguida, imóvel no limite da morte, à espera do sopro final que a lançaria no nada.
Não foi, contudo, a morte quem veio ao encontro de Amara, mas sim uma voz calma e suave, que, de alguma distância atrás de si, lhe dizia:
- Não o faças. Talvez haja para ti um caminho maior que esse que escolhes.
Lentamente, Amara recuou um passo, voltando-se depois para o seu interlocutor, que, surpreendentemente, a fitava com o claro verde de um olhar pleno de bondade e com um suave sorriso nos lábios.
- Não existe mais nada para mim. – respondeu – Tudo o que eu era e tudo o que eu amava morreu.
O homem assentiu.
- E quem crês que to roubou? – inquiriu.
O rosto de Amara contraiu-se num esgar de repulsa.
- Os senhores de Lithian. – disse – A família real. E o meu irmão.
Um leve sorriso brotou nos lábios do homem.
- Talvez não o saibas, - explicou – mas não és a única vítima dos Raven. São demasiados os que vêm, em fuga ou exilados, para fugir da arbitrariedade dos senhores de Lithian. Eu sou um deles. Mas não escolhemos morrer. Optamos, em vez disso, por lutar contra o inimigo. E esperamos. Tornamo-nos fortes, aprendemos com o conhecimento uns dos outros, e aguardamos, tranquilamente, a chegada de um líder que nos conduza até à vingança e à reparação dos crimes cometidos.
Amara assentiu.
- Mas eu não sou ninguém. – disse – Não tenho nada para ensinar.
- Talvez não. – concordou o homem – Mas talvez tenhas muito para aprender e o teu temperamento poderá ensinar-nos a lutar. Os rumores do teu exílio chegaram até aqui, jovem de sangue nobre. Sabemos quem és.
- Sabeis que me exilaram pelo assassínio dos meus pais? – perguntou Amara, provocadora.
- Do qual serás, certamente, inocente. Conhecemos a forma de agir dos Raven e as conspirações do teu irmão. Consigo imaginar quem será o responsável.
Em silêncio, Amara assentiu.
- Existe, aqui perto – prosseguiu o homem – uma pequena aldeia, chamada Varin. Há muito tempo que o rei de Agaloth sabe que aí se reúnem os exilados e os conspiradores, mas a verdade é que ele odeia os Raven tanto como nós e, portanto, não interferirá em nada que façamos. Vem comigo, e conquista connosco a oportunidade de derrubar os teus inimigos.
- Mas quem me ensinará a viver no exílio? – perguntou Amara.
- Eu. – respondeu o mestre – Eu estarei contigo para que aprendas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Capitulo II (Parte I)

Capitulo Segundo

Um corvo apoucado e esguio crocitava em cima de um arvoredo que separava os jardins mal tratados que circundavam o castelo da floresta jubilosa que se situava do lado direito deste, onde o rei e o seu filho habitualmente caçavam. O descarnado pássaro anunciava a aproximação da noite. Porém este espaço de tempo entre o crepúsculo da tarde e o crepúsculo da manhã era dissemelhante de todos os outros, pois, no dia seguinte, desenrolar-se-ia o enlace pelo qual todos aguardavam, o casamento do príncipe, a sua união com Isís Razza, herdeira de Arus Razza e da sua mulher Yasmin.
Arus era notabilizado pelo seu engenho na construção e trato dos apetrechos de combate mais aperfeiçoados, as espadas mais resistentes, as flechas mais venenosas, as armaduras mais elegantes coordenando o conforto e a sua utilidade. Reconhecido em todos os reinos e somente obstado de comercializar em Castella, Arus Razza tornara-se mais rico do que aqueles que procuravam os seus serviços, adquirindo os melhores terrenos do reino e subornando todos aqueles que tinham conhecimento do seu segredo.
Todavia, a noite não aparentava ter alguma afeição especial pelo dia que se avizinhava. O ar era frio afugentando as pessoas para o conforto de suas casas. As gotas de chuva começaram por cair timidamente, sinalizando os passeios de pedra que ligavam o castelo às restantes casas, mas, à medida que o tempo se filtrava em direcção à cerimónia real, as pequenas e acanhadas gotas de chuva multiplicaram-se, intimidando até um cão mais corajoso que ainda vagueava na rua. As nuvens perderam a sua pureza e deu-se lugar à explosão das mesmas com raios tenebrosos. Um dos raios atingiu o arvoredo onde o corvo se encontrava. O pássaro já sem vida caiu em breve tempo ao chão, os seus olhos petrificados em surpresa pela morte veloz que o atingiu.

- Como chove lá fora. É mau prenúncio. – afirmou a rainha. – Odeio quando chove antes de um casamento. O último casamento onde me lembro de um tempo assim foi de um primo do rei. Morreu numa batalha…já faz dez anos.
Isís que se encontrava frente a um espelho a apreciar o seu vestido, fitou a rainha incrédula.
- Não agoire, minha rainha. O meu desassossego já nem me tolera uma noite inteira de um bom sono.
- Não julgues que desejo o teu mal, antes o oposto. É por isso minha obrigação acautelar-te.
- A rainha examinou minuciosamente todos os pormenores. É necessário tanta preocupação?
- Os avisos da natureza servem para nos alertar para o imponderável.
A rainha saiu do quarto, deixando Isís na companhia de Ada, a escrava.
- A rainha tem razão. – começou Ada – A natureza tem uma força muito mais poderosa que qualquer humano. O rei pode ser um deus com marionetas nas mãos, e nunca acredite que lhe pode fazer frente. Mas perante a natureza não possui força alguma. Somos todos e sem excepção fantoches de algo maior…
Isís sentou-se na cama, colocou as suas mãos sobre os joelhos enquanto os seus olhos passeavam pelo chão de pedra mal tratada.
- Gozo do noivo perfeito, - disse - de um vestido magistral, de um castelo fabuloso. Não há possibilidade de correr mal, recuso-me a acreditar que todos os esforços que conduzimos para o êxito da cerimónia sejam prostrados por desígnios da natureza.
- Não se aborreça comigo, princesa.
- Não vou. Apenas deixa-me sozinha.
Ada obedeceu e saio do quarto, largando Isís absorvida na sua inquietação.

Naquele mesmo instante o rei permanecia na sala de armas do castelo. Com um olhar desatento, errava entre as espadas e lembranças de triunfos antigos, enquanto, diante de si, o seu filho Adhemar se divertia, movendo em círculos uma pequena navalha com a qual desenhava na mesa de madeira o cunho do reino.
- A tua serenidade surpreende-me. – afirmou o rei – Julgas que amanhã será alguma zombaria?
- Amanhã será um dia proveitoso. – respondeu Adhemar – Porque devo estar apoquentado? Não é um dia que me interesse. Apenas negócio.
- A tua noiva raciocina de forma diferente. A sua ingenuidade consente a ter como verdadeiro o teu afecto por ela.
Adhemar largou a navalha que tombou sobre a mesa sem ruído.
- Meu pai. A única mulher que me é digna de alguma consideração é a minha mãe. Por ser mãe e rainha. A utopia da minha inocente noiva não me causa preocupação. O casamento servirá somente para a união eterna entre o castelo e o ferreiro mais eficiente do reino não permitindo a deslocação de Arus Razza para longe dos nossos destinos. Continuarei a vida que tenho tido, a vida boémia que me corre no sangue. Não adianta faltar à verdade, pois sabe perfeitamente que não serei leal à mulher que desposarei amanhã.
Amon abriu a porta de saída e alertou o filho antes de sair.
- Encobre as tuas conquistas e dissimula as noites sem juízo. É o teu dever como filho do rei e futuro marido.

sábado, 1 de novembro de 2008

Os Filhos de Raven - Capítulo I (Parte VI)

O frio do vento acariciava-lhe o corpo, como a gélida carícia de uma mão invisível. Sobre a sua cabeça, o céu obscurecido pressagiava tempestade, mas, sentada no chão junto ao lago, Amara parecia nem sequer notar as ameaças da natureza. Estava demasiado perdida nos seus pensamentos para o fazer.
Nos labirintos da sua mente, a necessidade de um planeamento estratégico misturava-se com a urgência das suas emoções aprisionadas e o seu espírito parecia vacilar ante o peso da sua responsabilidade. Ali, no silencioso refúgio de Varin, no exterior de Lithian, estava segura, uma vez que o rei daqueles territórios declarara não se envolver nos confrontos dos Raven. Ainda assim, agora que o confronto ameaçava suceder, Amara sabia que, eventualmente, o seu nome seria referido e, se por conspiração não seria entregue, pelas acusações que o passado lhe colocara sobre a cabeça, talvez a situação fosse diferente.
Preparava-se um casamento na corte dos Raven, um casamento que deveria ser rubro de sangue. Sabia que aquela infame família devia morrer e desejava que isso sucedesse, mas, ainda assim, hesitava, não por piedade para com o seu inimigo, mas para com um dos soldados que combatiam no campo de batalha adversário. O seu irmão, mil vezes maldito, mas, ainda assim, sangue do seu sangue.
Ainda naquele momento, apesar dos anos decorridos sobre a desavença, Caledon Westraven habitava na sua mente, o herdeiro da fortuna da sua família, conquistada e preservada pela mácula da traição. O homem que se atrevia a ostentar o apelido dos seus pais, mesmo enquanto profanava a sua memória, depois de, por ambição, ter condenado tudo quanto haviam construído.

Nunca esqueceria aquele momento, quando, na nocturna obscuridade do palácio dos Westraven, bem no centro da corte de Lithian, Amara ouviu um grito rasgar o silêncio nocturno, espelhando um desespero infinito na voz que tão bem conhecia. As suas recordações eram confusas, mas sabia ter corrido em direcção ao quarto da sua mãe, recentemente deixada só pela prematura morte do seu marido, devido a uma misteriosa doença.
Lembrava-se de ouvir os gritos lancinantes que passavam mesmo através da porta cerrada e de, quando se preparava para invadir o espaço, ter sido bruscamente impedida por uma mão que violentamente a agarrava.
- O que se passa? – perguntou ela, revoltada – É a nossa mãe, Caledon! Deixa-me ir!
Caledon riu.
- Deixar-te ir? – repetiu – E permitir que arruínes o magnífico futuro que construí para a nossa família?
Amara debateu-se, mas sem sucesso.
- O que…? – perguntou – Quem?
- Verás. – replicou Caledon – Mas garanto-te que aquilo que contemplas será a nossa fortuna.
No momento em que o jovem nobre pronunciava estas palavras, os gritos silenciaram-se. Poucos segundos depois, a porta do quarto abriu-se, dando passagem a uma figura mascarada que, com as mãos manchadas de sangue, passou em silêncio, sem esboçar mais que um leve aceno na direcção do agora lorde Westraven.
Só então Caledon libertou a sua irmã, deixando que esta corresse para o interior do quarto. Em silêncio, deixou que, na sua inocência, Amara abraçasse, com a força da dor, o corpo ensanguentado da sua mãe vitimizada, torturada pela barbárie e pela luxúria do homem que, evidentemente, fora contratado para a eliminar. Contratado pelo ser desprezível que, com um sorriso nos lábios, observava o violento soluçar da sua própria irmã.
- O que fizeste, maldito? – perguntou esta – Porquê?
- Não é óbvio? – respondeu ele – Porque quero o poder!
- Louco! – exclamou Amara – Julgas que vou permitir que tomes a herança dos nossos pais, sabendo do que fizeste?
- Não tens alternativa, irmãzinha. – declarou Caledon – Olha para ti! Manchada pelo sangue da nossa mãe… Aceitarás em silêncio o que aconteceu e contarás a minha versão da história. Caso contrário, farei com que tu desapareças.
Amara assentiu.
- Pois podes começar já.

Naquele dia, Amara julgou estar perante o momento da sua morte, mas, inacreditavelmente, o seu irmão não o fizera. Queria mais que isso. Queria assegurar que a sua sucessão jamais seria contestada devido à misteriosa morte de toda a sua família e, por isso, escolhera outra forma de a afastar do seu caminho.
Com uma serenidade perturbadora, Caledon surgira perante o rei e apresentara-lhe a sua irmã como a assassina da sua mãe. Acusara-a com toda a ferocidade da mais hedionda violência… e depois chorara. Chorara como se tivesse sentimentos, como se lamentasse a loucura de que acusava o seu próprio sangue, e, amargurado por um fantasma de dor, pediu ao rei que lhe poupasse a vida. Evidentemente, não poderia permitir que ela permanecesse em Lithian, mas se pudesse simplesmente bani-la… Se pudesse mostrar misericórdia para com o seu fiel seguidor…
Fora assim que Amara iniciara a sua luta, sozinha nas solitárias terras de Varin, escondida sobre o fúnebre nome de Amara Morningstar, a amargurada estrela de cada amanhecer de Lithian, até ao dia em que pudesse voltar a ostentar o seu legítimo nome, o nome da legítima herdeira dos Westraven. Calana.
E ali estava ela, agora, sob um céu tempestuoso, incapaz de evitar uma certa apreensão ao sentir eminente o momento de decretar a morte do seu irmão. Mas a sua decisão estava tomada. Não poderia deixar pontas soltas após a extinção do reinado dos Raven, de uma família que, ciente da crueldade do seu irmão, que sabia continuar a martirizar inocentes às ordens da família real, continuava a tolerá-lo como um membro da alta nobreza.
Silenciosamente, Amara levantou-se, seguindo em direcção à casa onde Andros e Mordechai a esperavam. O seu coração fora silenciado. Agora, chegara o momento de dar voz à estratega dentro de si.

- Tomei a minha decisão. – anunciou ela, diante dos olhares expectantes do seu mestre e do seu melhor amigo.
Mordechai assentiu.
- Precisas que faça algo?
Amara respondeu com um gesto negativo.
- Não te vou enviar de volta a Lithian. – declarou – Tu és como eu. Marcado pelo negro dos condenados, dos banidos. Serias reconhecido pelo primeiro soldado que te viste. Não. Por muito que me custe obrigar-te a isto, tu ficarás comigo, nas sombras, movendo as peças do nosso jogo de guerras, não como o rei cobarde que se esconde atrás dos seus exércitos, mas como a sombra que não tem opção.
Mordechai assentiu.
- Se assim o queres… - disse – Mas o que farás?
- Creio – explicou ela – que não teremos outra oportunidade como esta. Os mais capazes de entre nós encontram-se na corte, escondidos e preparados. Delenia espera a minha ordem há demasiado tempo. Creio que chegou a hora de a satisfazer. E o nosso querido conselheiro… tão próximo do rei que este lhe confiaria a sua mísera vida… Creio que não será demasiado difícil derramar o líquido adequado na taça da celebração nupcial.
» Teremos um vingador para cada Raven. Delenia tratará do querido Adhemar, pois é a pessoa ideal para o arrancar da vida num ponto em que ele é o centro das atenções. A melhor lutadora que conheço. Lothian, o conselheiro, tratará de envenenar o rei. Entretanto, Durun e Avalen trataram de Elara e Alessandra. A rainha é apenas uma mulher destroçada, se puderem, trar-ma-ão com vida. Quanto a Elara, sei que é uma víbora escondida sob um rosto de adolescente. Morrerá com os restantes do seu sangue.
Andros assentiu.
- Um plano sensato. – declarou – Mas, perdoa-me que te recorde os teus fantasmas, creio que esqueces alguém.
- Não, mestre. – respondeu Amara – Não esqueci o meu irmão. Nunca esquecerei o que ele fez e, por mais repulsa que me inspire eliminar um dos do meu sangue, Caledon é um instrumento dos Raven e poderia denunciar-nos em caso de fracasso. Tratarei também de enviar alguém para o eliminar. Não… Pensando melhor… Que mo tragam vivo, se for possível. Ainda assim, se não for, não serei eu a chorar a sua morte.

- Não o chorarei jamais. – repetiu Amara, tentando convencer-se a si própria, enquanto, sozinha com os seus corvos, preparava as suas ordens para que chegassem às mãos dos seus seguidores.
Sorrindo levemente, deixou que as suas mãos deslizassem um pouco pelas majestosas penas das fúnebres aves, enquanto lhes colocava a sua mensagem, deixando, depois, que voassem em direcção ao território no inimigo.
Não deixava de ser irónico, pensou, aquilo que estava a fazer. Eram os corvos a voz da sua mensagem, corvos que decretariam o fim dos seus inimigos, negros corvos contra os repulsivos Raven. O augúrio de uma morte anunciada, que talvez expulsasse de Lithian a sombra da sua tirania, mas que nunca acalmaria os fantasmas do seu coração.

 

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