sábado, 24 de janeiro de 2009

Capítulo III (Parte IV)

A confusão instalou-se entre os convidados, como um fogo devorador sobre os campos ressequidos. O medo cantava aos corações uma sinfonia de morte e de terror e, movidos pela compulsão que lhes gritava que sobrevivessem, muitos dos convidados afastavam-se do local, uns correndo pelas suas vidas, outros tentando disfarçar a apreensão numa retirada aparentemente serena.
Havia entre eles, contudo, mais que um homem com razões para temer pela sua vida e, de todos eles, era Lothian o que se encontrava mais próximo da suspeita, parado junto ao trono de onde o rei deveria dar início às celebrações com um breve gole do cálice envenenado.
Que mãos haviam enviado aquelas flechas contra o rei? Seriam aliados ou inimigos? Poderia correr o risco de permanecer sereno ante uma ameaça desconhecida? Lentamente, velando para que os apressados presentes que se cruzavam com ele não notassem que se dirigia ao trono, o conselheiro aproximou-se, pouco a pouco, da pequena mesa onde repousava o majestoso cálice. Olhou em volta, assegurando-se que ninguém vigiava os seus actos. Depois, discretamente, empurrou com o pé a pequena mesa, levando a que esta tombasse, derrubando o conteúdo do cálice.

Entretanto, no recinto dos nobres, outros olhos seguiam, apreensivos, o desenrolar dos acontecimentos. Sabia que, de todos os lordes de Lithian, sempre fora o favorito do monarca. Na verdade, conquistara esse lugar à custa de todos os meios que encontrara ao seu alcance. E agora Amon estava morto, assassinado diante dos olhos da elite do seu povo, pelas mãos de inimigos invisíveis à sua visão. Quem seriam os responsáveis por aquele atentado? Estaria também a sua vida em risco?
- Lorde Westraven. – chamou uma voz atrás de si, sobressaltando-o.
- Sim? – respondeu, agitado, enquanto se voltava, para encontrar, fixo em si, o rosto preocupado de outro dos senhores do reino, Soran Fadenbran. Evidentemente, também ele comparecera à cerimónia, e fizera-o nos seus mais ricos trajes, ostentando uma luxuosa capa de veludo escarlate que parecia iluminar a obscuridade das vestes que completavam a sua indumentária. Também ele parecia fitar o local onde o rei tombara, como se procurasse algo, mas, contrariamente a todos os que o rodeavam, não parecia agitado nem assustado com a situação.
- Não devíamos ficar aqui. – declarou Soran, na sua voz suave – Não sabemos quem está por trás deste… deste crime… Poderão ser também nossos inimigos. Principalmente, sabendo da sua relação de proximidade a Amon.
Caledon estremeceu.
- Tem alguma ideia de como sair daqui? – perguntou – Se o rei foi atingido perante todos os seus guardas, não creio que exista um único lugar seguro em Vareil. Vá, se precisa de partir! Eu fico aqui.
- Por amor de Deus, Westraven! – exclamou o lorde, preocupado – Acha que expor o seu corpo à morte lhe confere algum benefício? Eu posso salvá-lo, homem!
- Pode? – replicou Caledon, surpreendido – Como…?
Soran suspirou, desviando, enfim, o olhar da confusão que se avultava em redor do monarca assassinado. Não poderia continuar a fitar o espaço sem que suscitasse desconfianças. Ainda assim, perguntava-se o que teria acontecido com Delenia, e porque razão desaparecera da vista de todos o corpo ou a vida do príncipe herdeiro.
- Sabe que tenho muitos inimigos. – explicou, tentando parecer conciliador – Isto não deve ser segredo para si, uma vez que também os tem. Acontece que, contrariamente e a si, e não veja isto como um insulto, eu nunca tive ao meu dispor a protecção das forças reais. Foi por isso que criei o meu caminho de fuga, para que, se um dia, se revelasse necessário, pudesse garantir a minha segurança. Não posso morrer enquanto não tiver um herdeiro a quem deixar o meu nome. – acrescentou, pensativo.
» Fujamos de Vareil, Westraven. – insistiu - Tenho um casebre escondido nos arredores, onde armazenei meios suficientes para que possamos partir para um lugar seguro. Qualquer lugar que escolhamos…
Caledon hesitou.
- Confie em mim. – insistiu Soran – Salve a sua vida. Não lhe pedirei nada em troca. Mas, se vem comigo, então temos de o fazer já! – acrescentou.
Relutante, Caledon assentiu, lançando um último olhar ao espaço em seu redor.
- Vamos. – disse – Não creio que seja de qualquer utilidade ficar aqui.

Não tivera qualquer hipótese de se aproximar da rainha, cercada por um grupo de soldados que, prontamente, haviam acorrido, ao ver o corpo do rei tombar por terra, para proteger a família soberana. Devastada, Alessandra chorava sobre o cadáver do marido, como se o seu mundo tivesse desabado naquele exacto momento, ainda que os seus olhos parecem emanar mais cólera que dor.
Na fúria da sua perda, a rainha exigia que os responsáveis fossem trazidos à sua presença, uma vez que os queria ver mortos, pelo que, incapaz de cumprir com a sua missão, Avalen achou mais seguro afastar-se, ainda que, oculto sobre o disfarce de um dos acólitos, poucos pudessem suspeitar da sua verdadeira missão.
De qualquer forma, porque deveria ficar e arriscar a vida na hipótese de ser descoberto, se era já mais que evidente que não conseguiria alcançar o seu alvo? Discretamente, afastou-se da confusão, retirando-se lentamente do espaço, buscando entre passos uma forma de sair de Vareil. Um breve suspiro escapou-lhe, então, dos lábios. Como reagiria a senhora Morningstar ao seu fracasso?

Era como uma estátua de pedra a jovem princesa que, silenciosa e serena, fitava o cadáver do seu pai. Ligeiramente afastada da rainha chorosa e dos soldados que a defendiam, Elara parecia ser um alvo surpreendentemente fácil para o homem que fora encarregue de a neutralizar. Na verdade, apenas quatro homens a acompanhavam, e, pelo luxo ostensivo das suas vestes, pareciam pertencer aos convidados da família real e não aos defensores do reino.
Provavelmente seria notado, pensou Durun, enquanto, passo a passo, se aproximava, mas não antes de cumprir com a sua missão. Escondido entre os soldados e trajado com o mesmo uniforme de todos eles, ninguém suspeitaria dos seus objectivos até que fosse demasiado tarde.
Não contava, contudo, com a previdência da princesa que, responsável pela morte do rei, não deixara de prever a possibilidade de um ataque à sua pessoa, quer fosse porque suspeitassem da sua intervenção, quer porque alguém a tivesse traído. Foi, por isso, com espanto que, quando se aproximou do corpo de Elara, Durun se viu rapidamente agarrado pelas mãos dos quatro homens que a rodeavam e que, rapidamente eliminaram a sua resistência através da violência dos seus golpes.

Entretanto, na sua pequena casa em Varin, a senhora daquela conspiração perdida fitava atentamente os olhos da criança vidente. Naquele momento, toda a sua juventude se desvanecera no poder da profecia e Mirian tinha no rosto a profundidade dos abismos. Demasiado jovem para ter no corpo a força de um adulto, tinha na alma todos os séculos do mundo.
- Consegues vê-los, Mirian? – perguntou Amara, suavemente – Podes dizer-me alguma coisa?
O verde-claro dos olhos que tudo viam fitou-se no rosto da inquiridora, severo e entristecido por demasiadas visões. Na verdade, nada se desvanecia perante a sua omnipresente visão, mas, no caos de todas as divisões e confusões que haviam tomado posse da malfadada cerimónia, a vidente não podia encontrar mais que uma certeza, um murmúrio de totalidade em todos os fragmentos que observava.
- Falharam, Amara.- disse - Falhámos.

2 comentários:

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Óptimo ^^

Espero pela continuação!

Anónimo disse...

Era como eu ja estava a espera.
este capitulo foi muito bom!
Assim que tiver possibilidade, irei ler os seguintes capitulos e comentar os mesmos.

Diego Nero

 

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