sábado, 7 de fevereiro de 2009

Capítulo III (Parte VI)

Nenhum outro sítio em todo o reino de Lithian fora, em toda a sua história, designado com o nome de um dos seus habitantes. Homem algum fora considerado digno de tal graça e, como tal, não havia em todo o espaço um único ser que se pudesse orgulhar de ter sequer o mais ínfimo território abrigado sob a sua designação. Nenhum excepto Doren Azthar.
Praticamente desde o início da dinastia Raven que os filhos proscritos de Azthar, desertor do reino vizinho, haviam vivido na sombra da família reinante. Eram suas as mãos que mexiam no trabalho mais imundo e que, sem hesitar, cumpriam com os destinos que nenhum outro homem conseguiria determinar sem medo de voltar a ser visto perante a luz do dia.
Fora, pois, esse o nome que para sempre se gravara a sangue nas mais negras memórias de Lithian e, por isso, o mais negro e imundo lugar do reino, aquele onde o medo e a agonia reinavam sobre tudo o mais, tomara para si o nome daqueles que seriam, até ao fim da tirania Raven, os carrascos dos soberanos.
Dizia-se que o ambiente da câmara de Azthar era capaz de gelar os nervos do mais corajoso dos homens e que, se a penumbra tenebrosa da câmara, aliada aos estranhos instrumentos do carrasco, era já a visão de um inferno iminente, era contudo a crueldade espelhada no olhar de Doren o primeiro de todos os suplícios.
Naquele dia, um sádico sorriso parecia pairar nos lábios do carrasco que, segurando nas mãos uma fina lâmina, parecia esperar, pacientemente, a sua vítima. Contrariamente a outros que, em tempos, haviam exercido a sua função, um descendente de Azthar jamais ocultaria o rosto e, como tal, a sua face pálida e esquelética parecia ser, perante os condenados, como um prelúdio à contemplação da morte.
E então Alessandra entrou, um lampejo de cumplicidade brilhando no seu olhar. Por algum motivo fora a rainha a protectora daquele homem odiado. Havia, na verdade, uma secreta razão que levava a tímida e submissa rainha a acompanhar com tanto empenho os interrogatórios da justiça real, fitando serenamente o seu secreto protegido enquanto o seu corpo reagia aos gritos dos supliciados. Atrás de si, dois dos guardas arrastavam o corpo da sua nova vítima, já despojado das suas vestes, e pronto a sofrer em nome do prazer e da verdade. Por último, como se encerrasse uma espécie de cortejo fúnebre, também a perturbada figura do conselheiro Lothian entrou na sala.
Silenciosamente, Doren sorriu, enquanto observava a sua sádica rainha tomar o seu lugar no modesto trono, no centro de uma das paredes da câmara. Como a uma deusa sinistra, viu-a ordenar aos guardas que lhe apresentassem o seu prisioneiro, enquanto, com um leve aceno, indicava a Lothian que se aproximasse.
- Compreenderá, certamente, – disse ela – porque vos trouxe comigo, conselheiro Lothian. É, evidentemente, o seu dever assistir-me na busca do responsável pela morte do meu marido.
- Evidentemente, majestade. – concordou o conselheiro, ocultando sob o gesto de uma breve referência, o verdadeiro pavor que lhe consumia os sentidos. O que faria se o prisioneiro soubesse da sua intervenção na conjura? Que poderia fazer caso o homem pronunciasse o seu nome?
- Azthar. – prosseguiu a rainha, dirigindo-se ao carrasco – Trago-te um assassino. É possível que o negue com todas as suas forças, mas eu sei que é culpado. Espero que mo proves.
Doren respondeu com uma vénia.
- Muito bem. – concluiu Alessandra – Podes começar.

Parecia que, finalmente, a confusão de Vareil ia ficar para trás e, à medida que Fadenbran o conduzia por entre as ruas mais decrépitas, que eram também as mais desertas da capital, Caledon começava a acreditar que conseguiriam escapar em segurança ao caos provocado pelo assassínio do rei.
Quando, contudo, a penumbra começava a invadir os céus e a floresta circundante começava já a ser visível, a sua caminhada foi bruscamente interrompida por uma visão invulgar. Diante dos seus olhos perturbados, três carruagens pareciam ser cuidadosamente posicionadas, ainda com os seus animais atrelados, de modo a estarem prontas a partir, mas, ainda assim, obstruindo por completo o caminho em frente. Não parecia, ainda assim, haver ninguém por perto.
- Recue, Westraven… - murmurou Fadenbran, em tom de urgência – Tenho um mau pressentimento sobre isto…
Atemorizado, Caledon preparava-se para obedecer quando, subitamente, o ar foi invadido pelos ruídos de um numeroso grupo de homens que, saindo das sombras atrás de si, começaram a avançar na sua direcção.
- O que é isto, Fadenbran? – perguntou, forçando a voz a não vacilar.
- Não faço a menor ideia… - respondeu este, reflectindo também o medo na sua expressão – Tente fugir. – sugeriu – Vou tentar mantê-los ocupados.
Antes que Caledon tivesse oportunidade de responder, já o lorde se lançava em direcção às carruagens, como se planeasse fugir. Contrariamente, contudo, ao que parecia ser o seu plano, apenas dois dos seus atacantes investiram na sua direcção, lançando-se os restantes em direcção a Westraven, que, paralisado pelo medo, mal se debateu antes de ser completamente imobilizado.
Por um momento, ainda tentou vislumbrar o que se passava, mas sem sucesso, pois, escassos segundos depois, um grosso capuz negro era enfiado pela sua cabeça, tapando-lhe a visão, ao mesmo tempo que outras mãos o agarravam e amarravam. Antes, contudo, de se sentir arrastado para longe e descuidadamente lançado para o interior do que calculou ser uma das carruagens, não pôde deixar de ouvir a voz de Fadenbran, modificada num grito que lhe gelou o sangue:
- Não!

Várias horas haviam decorrido, mas, na câmara de Azthar, nenhum dos presentes estava mais próximo da verdade que anteriormente.
Era verdade, de facto, que Durun tentara mostrar-se um cobarde perante a rainha, na esperança de conquistar para si próprio o direito de uma morte rápida, ao invés do sofrimento. Sabia-se capaz de resistir a muito, mas não podia ter a certeza de controlar os seus segredos perante um limite demasiado extenso de dor e, por isso, tentara encontrar na cobardia o refúgio da única fuga que lhe seria permitida.
Perante a dor, contudo, a sua alma revelara-se mais forte do que ele próprio alguma vez a julgara. Diante dos olhos de Alessandra que, inconscientemente, reflectia em cada sorriso e em cada gesto, o mais profundo desejo da crueldade absoluta, Doren Azthar brincara com o seu corpo através dos mais temíveis e dolorosos instrumentos, mas os lábios da sua vítima não se haviam separado senão para dar passagem aos gritos.
E, agora, enquanto via os olhos do prisioneiro, desesperado, suplicante, mas inflexível no seu silêncio enquanto fitava alternadamente o sádico sorriso da rainha e a tensa expressão do conselheiro, Alessandra estava, finalmente, satisfeita. Tinha um culpado para dar a si própria e as suas ânsias não lhe pediam mais dor. Para que precisava de continuar a insistir nas provas?
- Ele não falará. – declarou, levantando-se bruscamente, enquanto, de forma discreta, trocava com o carrasco um leve olhar de aprovação – Termina com o seu sofrimento. Conselheiro… - acrescentou – Ficará para se certificar da execução, presumo…
Lothian assentiu, sentindo a tensão do seu corpo abrandar enquanto a figura da soberana se afastava do trono, para, em seguida, abandonar a câmara. Então, o seu olhar desviou-se para o corpo mutilado e ensanguentado de Durun, a tempo de encontrar nos seus olhos a acusação do fracasso, a mesma imagem que, para sempre ficaria aprisionada na sua memória, imobilizada no estertor da morte que, pela mão do carrasco, descia sobre o peito do condenado.

Durante alguns momentos, os gritos de Caledon continuaram a ouvir-se, apesar de abafados pelo tecido, enquanto, no interior da carruagem, alguns dos seus captores tratavam de o imobilizar devidamente, para depois o silenciar com uma mordaça.
Alguns instantes depois, contudo, enquanto o silêncio se estabelecia, os dois homens saíram da carruagem, aproximando-se com reverência da figura que, tendo retomado a sua máscara de serenidade, os fitava tranquilamente, de braços cruzados sobre o veludo das suas vestes negras.
- Cumprimos a nossa parte, Lorde Fadenbran. – declarou um deles – Para onde devemos seguir?
- Para a terra dos exilados, Johan. – respondeu Soran, com um sorriso leve, enquanto os seus olhos se fixavam na carruagem – Aí, onde a lua de Varin brilha com a magia dos puros, a senhora dos condenados receberá o nosso tributo e aceitará a nossa fidelidade.
- Muito bem, senhor. – assentiu o homem – Que seja para Varin.

2 comentários:

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Gostei imenso, está óptimo ^^

susanna disse...

meus amores já tive a ler os textinhos todos digamos k me deu algum trabalhinho mas valeu a pena... está muito à "muthos deloi oti", amei mm, tem acção e intriga q.b.
posso só destacar algumas das frases k mais m chamaram à atenção?? eu sei k sim :P
"Eu ficaria nervoso perante a contagem decrescente para a minha vida boémia acabar. Estar uma noite com uma mulher, recitar-lhe uns poemas para a convencer a mergulhar nos nossos lençóis é uma coisa perfeitamente distinta de passar o resto dos dias com ela." -be aware!!! escolham sp a poesia, um anel no dedo é capaz d sr mais perigoso lol
"Somos todos e sem excepção fantoches de algo maior…" - oh le male le vivre....
"Mas não escolhemos morrer. Optamos, em vez disso, por lutar contra o inimigo. E esperamos. Tornamo-nos fortes, aprendemos com o conhecimento uns dos outros, e aguardamos, tranquilamente, a chegada de um líder que nos conduza até à vingança e à reparação dos crimes cometidos." - simply beautiful ^^
"A minha dedicação a algo maior não tem que obrigar-me a viver uma vida de pedinte" - he could be a politician
"- A minha esposa? – repetiu o príncipe, com um sorriso cruel - Ela estará bem entretida com os tricôs." - pah esta matou-me lool
"Devia chover como se o próprio apocalipse ameaçasse descer sobre a cabeça dos homens, desfazendo em cinzas e sangue tudo o que a sua mão alcançasse."
"Tinha um culpado para dar a si própria e as suas ânsias não lhe pediam mais dor." - gostei bastante!!! obrigada pela boa leitura ;)
adoro-vos meus "muninos" :P

 

site weekly hits
Corporate-Class Laptop