segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Capítulo VI (Parte IV)

- Julgo que te devia uma visita, – observou Amara, ao entrar no quarto despido, improvisadamente transformado numa cela – príncipe Adhemar.
O príncipe ergueu o olhar, sobressaltado. Havia, na expressão das suas orbes, um medo quase incontrolável, como se o tempo passado naquela cela tivesse quebrado toda a sua arrogância. E o seu olhar era, de facto, suplicante e assustado quando perguntou:
- Vieste para me matar?
Amara sorriu, enigmática.
- Deste-me algum motivo para que o faça? – inquiriu.
- Não! – exclamou o príncipe, perturbado – Não, eu… Eu juro que não fiz nada!
- Então diz-me… Porque julgas que vou acabar com a tua mísera vida?
Adhemar estremeceu.
- Eu… - balbuciou – Não sei… Eu sou o inimigo. Talvez… me tenhas condenado.
Rasgando o silêncio, o riso cristalino da mulher encheu o espaço. Era impossível não se divertir ante a abjecta humilhação do jovem e boémio príncipe. Aquele que, em tempos, fora destinado a ser o seu esposo, era agora apenas um destroço.
- Ainda não, Adhemar. – declarou, e sorriu ao ver o alívio que se desenhava no rosto do príncipe – Ainda posso encontrar alguma utilidade para ti. Desde que continues a comportar-te devidamente… ainda podes viver.
Adhemar assentiu efusivamente.
- Sim… - balbuciava – Sim. Eu faço o que quiseres. Tudo o que quiseres.
- Óptimo. – concluiu Amara – Na verdade, estava apenas de passagem. Tenho uma visita mais… premente a fazer a outro prisioneiro. De momento, vou deixar-te em paz.
Amara não esperou pela resposta. Limitou-se a voltar costas ao príncipe e a deixar a cela, sorrindo vagamente quando ouviu o som da chave na fechadura enquanto o guarda atrás de si trancava a porta.
- Agora o próximo. – declarou Amara, com um sorriso misterioso – O meu querido Caledon.

Havia uma ausência no seu olhar, como se divagasse na distância do horizonte infinito, e o seu rosto parecia tão fechado na sua sombra soturna que Delenia hesitou em interromper os seus pensamentos. Na sua mente, contudo, havia também uma sombra, a certeza de uma traição cometida contra alguém que, ainda que fosse, na verdade, um inimigo, conquistara, com a sua estranheza, um coração frio. E ela precisava de o ver, de se explicar… De confessar o turbilhão de sentimentos que agitavam as paredes do seu mundo e a incerteza do sentimento que a levara a salvar uma vida que entregava, depois, nas mãos dos seus antagonistas.
- Lorde Fadenbran. – murmurou, hesitante, sem saber se ele a ouviria. Soran, contudo, voltou-se em resposta ao seu chamado e, sorrindo levemente, fitou-a com um olhar profundamente triste.
- Já não, receio. – observou – Agora sou só mais um rebelde. Suponho que isso torna os títulos desnecessários.
Delenia assentiu.
- Eu… - disse – Queria pedir-lhe…
- Pedir-te. – corrigiu Soran, benevolente.
- Isso… Queria pedir a tua ajuda.
- Temo que não possa fazer muito por ti – prosseguiu o lorde, pensativo – se me vens pedir que interceda pelo teu cativo. Ele é um Raven e o ódio de Amara não tem limites… Além disso, não podes dizer que o Adhemar seja uma pessoa exemplar.
- Eu sei. – replicou Delenia – Não me atreveria a esperar tanto. Eu só queria… Queria vê-lo. Queria explicar-lhe que…
Soran interrompeu-a.
- Permite-me que te deixe um conselho. – disse – Afasta o teu coração desta guerra. Enterra-o bem longe de ti, se puderes. É ele que te fala no príncipe. Foi ele quem te impediu de o deixar morrer. E, se não o silenciares, acabará por te condenar.
- Vês demasiadas sombras no amor – observou Delenia – para quem é, afinal, o consorte da líder.
Soran lançou-lhe um olhar vazio, gravando o arrependimento na mente de Delenia antes mesmo que as palavras acabassem de se desvanecer.
- Pareço um homem de sorte, não é verdade? – perguntou – A verdade é que o sou. Calana Westraven… Não. Amara Morningstar é a mulher mais forte e nobre que conheci em toda a minha vida. Mas é também a força base da nossa guerra e isso exige sacrifícios. Temo que, um dia, acabarei por a perder. Mas estou já demasiado perdido para seguir o meu próprio conselho. – acrescentou, com um suspiro cansado.
Delenia não respondeu. Não saberia o que dizer quando falavam da mulher que mais admirava, mas que, ao mesmo tempo, mais temia com a sua justiça fria e o seu voto de vingança sem piedade.
- Mas querias pedir a minha ajuda. – observou Soran, quebrando o silêncio – O que posso fazer por ti? Sabes que não é a mim que compete decidir quem pode ver os prisioneiros.
Delenia assentiu.
- Verdade. Mas talvez pudesses falar com a Amara sobre o assunto…
- Talvez pudesse. – concordou Soran – E talvez ela me ouvisse. Mas tens a certeza de que estás disposta a deixar esse assunto nas minhas mãos?
- Eu não…
- Eu acredito que confias em mim. Mas não crês que Amara olhará de outra forma para o teu pedido se fores tu própria a fazê-lo? Não julgas que será mais provável que te aceite se lhe falares com as tuas próprias emoções?
A mulher hesitou.
- Amara… - murmurou – suspeita de mim.
- Tu também o farias – replicou Soran, compreensivo – a quem entrasse nos teus domínios acompanhado do inimigo. A ordem era matá-lo e não capturá-lo e temos de admitir que isso falhou. Mas a Amara não é de gelo – acrescentou, vendo o desânimo da mulher – e estou segura de que entenderá as tuas contradições, se lhe provares que pode confiar em ti.
- Mas como posso fazê-lo?
Soran sorriu.
- Tenta. – declarou – Com todas as forças daquilo que sentes. Assim, independentemente do resultado, saberás que deste tudo de ti. E Amara saberá quanto vales afinal.

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