segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Capítulo VI (Parte VI)

Quando entrou na escura e fria divisão que, pelo seu desconforto, fora adaptada a cárcere de Caledon, Amara trazia nos lábios um sorriso de gelo. Os seus olhos eram cristais de repulsa, fixos na figura trémula e prostrada do seu irmão que, ao ver a sua chegara, se afastara para o canto mais distante.
- Bons dias, irmão. – saudou Amara, irónica.
O lorde não respondeu.
- Mas que tens? – prosseguiu ela, implacável – Porque te afastas, se ainda não te fiz nada? Será que te desagradam os teus novos aposentos?
- Precisas de perguntar? – murmurou ele, compreendendo que a mulher não se afastaria sem respostas – Olha à tua volta!
Amara sorriu, enquanto os seus olhos se demoravam pelo espaço. A humidade escorria pelas paredes e o chão vazio prometia tudo menos um sono tranquilo. A um canto, a imundície acumulava-se, ameaçando preencher o ar com o seu cheiro fétido. E ainda passara tão pouco tempo… Como seria o prosseguir dos dias naquele espaço insuportável?
- O que queres de mim? – perguntou Caledon, e o medo que o dominava parecia fazer com que o seu corpo se enroscasse ainda mais sobre si próprio – Vais manter-me aqui até que morra? Não terás tu qualquer misericórdia?
- Não. – interrompeu Amara, terminante – Não tenho misericórdia de criaturas como tu. Precisarás que te recorde o que me fizeste? Queres que o faça?
Caledon não respondeu.
- Bem me parecia. – prosseguiu a captora – Afinal sabes que cada memória que me fizeres remexer será um novo momento de dor para a tua patética existência. Levanta-te! – ordenou, de súbito.
O prisioneiro hesitou. Sabia que resistir seria inútil, mas o medo paralisava-lhe os movimentos.
- Quanto te dou uma ordem, espero que obedeças, criatura. – declarou Amara, pontapeando-o com violência. – Agora vais levantar-te. Ou o que acabas de sentir será uma suave carícia comparado ao que te reservo.
- Não, espera… - implorou Caledon, ofegante – Eu… Eu obedeço.
Amara assentiu, fitando, com um sorriso, as patéticas tentativas do homem de erguer o seu corpo débil. Por várias vezes, vacilou, dividido entre o medo das consequências e a sua própria fragilidade, mas finalmente conseguiu suster-se sobre as suas pernas.
- Sentes medo? – perguntou Amara, observando o tremor que agitava o corpo do irmão – É por isso que tremes? Tens medo de mim?
- Sim. – murmurou Caledon, hesitante.
- Deixa-me adivinhar… Tens vontade de me implorar pela tua integridade, não tens? Que te poupe, que não te magoe muito… Que te mate, talvez?
- Porque não? – respondeu ele – Não é isso que queres? Ver-me morto? É justo… Faz sentido! Porque esperas?
Amara soltou uma gargalhada cruel.
- Justo! – exclamou - Serás assim tão idiota que nem sequer compreendes? Tu arruinaste toda a minha existência. Assassinaste a pessoa que eu mais amava no mundo! Estarás à espera que te execute com toda essa facilidade?
- Quem é essa em que te transformaste, Calana? – perguntou Caledon.
- Amara Morningstar. - replicou ela – O espírito da dor. O coração do ódio. A espada da vingança. Aquela que tu criaste.
- Como queiras. – assentiu o prisioneiro, resignado – E então? O que vais fazer?
Amara sorriu.
- Despe-te. – ordenou.
- Como…? – perguntou Caledon, confuso.
- O que eu disse.
Sem alternativas, o prisioneiro obedeceu, lançando por terra as vestes imundas, que Amara recolheu.
- Dizem que as noites vão ficar frias nos próximos tempos. – declarou esta, com um sorriso gélido – Dorme bem!
Caledon arfou de horror.
- Vais matar-me de frio?
Amara riu.
- Isso querias tu. – respondeu – Voltarás a ver-me bem antes disso.

- Amara. – chamou Delenia, ao ver a líder abandonar a zona onde eram retidos os prisioneiros – Posso falar contigo por um momento?
Amara imobilizou-se.
- Sobre o príncipe, presumo… - observou, com um sorriso gélido.
Hesitante, Delenia assentiu.
- Amara, por favor, ouve-me. – começou, antes que perdesse a coragem para falar – Não vou interceder pela vida dele. Não me vou pôr entre ti e a tua vingança. Mas certamente entenderás que, para o trazer comigo, recorri a meios que me envergonham e que preciso de me redimir.
- Se bem me recordo, – respondeu a líder – se tivesses cumprido as tuas ordens não terias trazido ninguém contigo e não haveria nada que redimir. Porque o trouxeste com vida?
Delenia vacilou.
- Não sei… - admitiu, após um momento de silêncio – Não imaginas como gostava de o compreender, mas a verdade é que não sei.
- Então explica-me – prosseguiu Amara – o que queres de mim, se não é interceder pela vida do Raven.
- Queria vê-lo. – murmurou Delenia, embaraçada – Falar-lhe. Explicar-lhe que…
- Que não és uma traidora? Que a tua acção não faz parte do teu carácter, mas que tiveste de o fazer?
- Sim.
- Louca… - replicou Amara – De todos os homens no mundo, apaixonas-te pelo inimigo. Não negues! – ordenou, vendo que a mulher se preparava para o interromper – Que outro motivo terias para te justificares perante um prisioneiro?
Delenia não respondeu. O que Amara dizia era, afinal, a mais pura verdade.
- Podes vê-lo, - declarou esta, benevolente – se precisas assim tanto de o fazer. Mas se queres continuar deste lado do campo de batalha, é melhor que comeces a afastar as fragilidades do teu coração. O teu príncipe é uma peça do inimigo que deixaste nas minhas mãos e pretendo usá-la da forma que me for mais favorável. Independentemente do que possas dizer ou sentir.
- É verdade o que dizem de ti! – murmurou Delenia, surpresa – O teu coração é de gelo.
- De gelo? – repetiu Amara, rindo – Não, Delenia. O gelo derrete. O meu coração é de pedra, frio, duro e impenetrável. E é assim que continuará a ser, por isso, se não me queres como líder, é melhor que o digas já.
- Sabes que não te segui por acaso. – respondeu Delenia – Acredito na tua causa, na tua guerra. Vou estar do teu lado e não precisas de duvidar disso. Mas é assim tão inalcançável para ti aquilo que eu sinto? Qual é, afinal, a tua relação com o lorde, se não sentes nada?
- A minha relação com o Soran não é assunto desta conversa! – exclamou Amara, enraivecida.
Delenia estremeceu.
- Tens razão. – disse, retractando-se – Perdi a noção do meu lugar. Perdoa-me…
Para sua surpresa, Amara sorriu.
- É assim tão importante para ti, o príncipe? – perguntou, benevolente – Muito bem, podes vê-lo. Quando eu partir. Creio que, em breve, terei uma audiência com o rei de Agaloth, e, por isso, estarei afastada durante algumas horas.
» Esta é a minha prova de confiança, Delenia. Será na minha ausência que verás o Raven. E, para teu bem e o do teu estranho protegido, é melhor que não haja problemas. Prova-me que mereces a minha confiança… e eu saberei merecer a tua fidelidade.

Encontrava-se sozinha há poucos minutos quando o seu silêncio foi interrompido pela chegada de Mordechai que, com um sorriso conspirador, a cumprimentou com uma vénia digna de qualquer corte nobre.
- Bem-vindo sejas, meu amigo – saudou-o Amara – Como correu a viagem?
- Esplendidamente. – respondeu ele – Sua Majestade, Doren Redscar, rei de Agaloth, aceitou o teu pedido de audiência, minha senhora.
- Óptimo. – replicou Amara, sorrindo – Gostava de ter visto a cara dele ao ouvir o meu nome de nascimento.
- Completamente surpresa, claro. – esclareceu ele – Mas diria que vais ter uma noite longa.
- Espera! – exclamou Amara – Será possível que… Para quando me conseguiste essa audiência?
- Para amanhã mesmo, senhora Westraven.
- Mordechai, és um diplomata de excelência. Não esperava que me conseguisses tanto.
Mordechai sorriu.
- Se a ordem é tua, - disse – nunca farei menos que o melhor.
- Agradeço-te, meu querido. Graças a ti, uma senhora partirá amanhã de Varin, para ser recebida pelo rei. Mas creio que uma escolta adequada não me faria mal… - acrescentou, pensativa.
- Não te preocupes com isso. – tranquilizou-a Mordechai – Providenciarei para que tenhas uma escolta digna de uma rainha.

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