quinta-feira, 19 de março de 2009

Capítulo IV (Parte VI)

Nunca como naquele momento a liderança lhe pesara sobre os ombros. Sabia que a sua missão poderia ter sido um fracasso muito mais considerável, mas quem poderia explicar isso à família do que morrera, segundo sabia, nos hediondos abismos de uma profunda dor?
No silêncio da noite tardia, os pensamentos de Amara pareciam ser um grito dentro do seu coração, enquanto, lentamente, caminhava em direcção à pequena casa que fora o refúgio de Durun, mas que, agora, apenas a sua ansiosa irmã ocupava. As suas palavras destruiriam a esperança que restava àquele débil coração, mas era o seu dever comunicá-las em pessoa. Para isso a haviam nomeado senhora dos exilados, e líder daqueles que ansiavam por uma reparação pelos crimes contra eles cometidos pela família reinante de Lithian. Para que fosse o rosto e a mente das suas responsabilidades a haviam elevado mais alto que todos eles, quando, no momento que chegara, não era senão mais uma entre os exilados, ainda que lhe corresse nas veias o sangue mais próximo à realeza.
Um leve suspiro fugiu-lhe dos lábios, ao encontrar com o olhar a pequena casa. Através da janela, podia ver a trémula luz de uma vela, brincando com as sombras como se delas fosse parte. Depois, viu a sombra da jovem que, em silêncio, esperava que as horas passassem e, forçando-se a cumprir com a que era, afinal, a sua missão, aproximou-se e bateu à porta.

Silencioso como a sombra das suas memórias, Mordechai vigiava, junto à entrada da sua pequena corte de exilados. Não acreditava que, por entre o caos que se instalara na capital de Lithian, as forças dos Raven pensassem sequer em avançar contra o seu pequeno reduto, mas, ainda assim, havia algo nos seus pensamentos que lhe dizia que devia velar, pois algo de importante viria ao seu encontro.
Subitamente, a noite foi agitada pelo som de passos que se aproximavam e, imperceptivelmente, os homens que acompanhavam Mordechai na sua vigília, aproximaram-se deles, prontos para agir da forma que se revelasse necessária. A sua primeira reacção, contudo, foi de surpresa, ao ver Delenia surgir de entre as sombras, acompanhada pela figura de um jovem, pouco mais que um rapaz, que todos eles conheciam demasiado bem.
- Delenia! – exclamou Mordechai, surpreendido – Será possível que…?
- Não digas nada. – interrompeu-o ela – A oportunidade surgiu e não a podia desperdiçar. De todas as formas, a decisão não é nossa, pois não?
Mordechai assentiu.
- Encarregar-te-ás de o vigiar? – perguntou – A Amara precisa de ser avisada o mais rápido possível.
- Claro, meu lorde. – concordou ela, com um sorriso leve – Não te preocupes. Entre mim e os teus companheiros, arranjaremos um lugar adequado para o nosso… visitante.

Os olhos de Rienna tinham o dom da profecia, uma suave antecipação, como se, em silêncio, se resignasse ao que, ainda que não o admitisse, já conhecesse como real.
- Diz-me, Amara. – pediu ela, ao ver diante de si o rosto consternado da sua líder – Os meus pressentimentos são reais? O meu irmão está morto?
Amara vacilou, surpreendida por um tão profundo estoicismo.
- Lamento, Rienna, - acabou por replicar – mas é verdade. Durun morreu.
Rienna suspirou.
- Surpreender-te-ia se te dissesse que já o pressentia? – perguntou – Que sentia o fracasso iminente quando se despediu de mim?
- Ninguém o poderia imaginar. – respondeu Amara – Se soubesse que tudo terminaria assim, nunca teria permitido que ele partisse… Mas tu sabes que ele nunca me perdoaria se o tivesse deixado para trás, e… Todos nós acreditávamos que seriam bem sucedidos.
- Sim. – assentiu Rienna – Eu sei. Suponho que tenho de me resignar à verdade dos factos, mas…
- Não. – interrompeu Amara – Não tens de te resignar a nada, quando tens um culpado diante de ti. Se há algo dentro de ti que precise de sair, então liberta-o. Grita, chora, insulta-me… Faz o que quiseres. Não há nada que precises de esconder num momento desses.
Silenciosas, as lágrimas brotaram no rosto de Rienna e, imperceptivelmente, Amara preparou-se para a explosão que, seguramente, surgiria, que, sem dúvida alguma, merecia. O que aconteceu, contudo, não foi um desabrochar de cólera, mas apenas a floração de uma tristeza infinita, reflectida na intensidade desesperada com que a jovem Rienna se lançou nos braços da mensageira da morte, colocando todas as suas forças numa vã busca de consolo para ambas.
- Não te culpo… – murmurou Rienna, entre lágrimas – Não a ti. Aos Raven… Às mãos que provocaram a morte do meu irmão. Sinto que foram eles… e tu sabes, não sabes? E contar-me-ás tudo, eu sei… Mas agora não… Ainda não.
- Ainda não… - concordou Amara.

Quando as duas mulheres se soltaram do abraço, os olhos de Amara puderam encontrar, enfim, a figura de Mordechai que, silenciosamente esperava.
- O que aconteceu? – perguntou ela, notando a urgência nos olhos do amigo.
- Julgo – respondeu este – que quererás ver com os teus próprios olhos. Acaba de chegar a mais inesperada das visitas.
 

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