quarta-feira, 1 de abril de 2009

Capítulo V (Parte II)

Quando, junto com Mordechai, Amara chegou ao local onde, acompanhada por alguns soldados, Delenia vigiava o seu prisioneiro, um breve sorriso aflorou aos seus lábios. Como que inconscientemente, abrandou o passo, ao ver que, enquanto alguns dos companheiros tentavam afastar o prisioneiro para o casebre, já devidamente preparado para o receber, o príncipe insistia na sua imobilidade, mantendo com a sua captora um diálogo deveras… interessante.
- Traíste-me, Delenia! - acusava Adhemar - Porquê?
- Traí-te? – replicou esta – Devo-te, porventura, algum tipo de fidelidade? O que eu fiz foi salvar a tua vida miserável, em vez de cumprir as minhas ordens. Não estavas à espera que te deixasse simplesmente fugir, estavas?
- Enganaste-me… - murmurou ele – Onde estamos? Onde me trouxeste?
Nesse momento, Amara interrompeu-os, aproximando-se, triunfante, enquanto respondia à pergunta do prisioneiro.
- Varin. – disse – Pequena povoação na fronteira de Agaloth. Sede e ponto de reunião de todos aqueles que, como eu, foram condenados pela tirania da tua linhagem e que têm pelo nome de Raven o mesmo ódio que eu sinto.
Adhemar estremeceu.
- Quem és? – perguntou, invadido por uma estranha sensação de familiaridade – Eu… Eu conheço-te.
- Mas claro! – replicou Amara, com um sorriso gélido – Claro que me conheces. Antes de me destruir a vida, o meu irmão tinha planos para ti. Queria que eu me casasse contigo, lembras-te?
- Calana Westraven... – murmurou o príncipe, petrificado.
- Sim. – concordou ela – Calana Westraven. Mas aqui não. Aqui, sou a senhora dos condenados e o meu nome é Amara Morningstar. E a partir deste momento, até que eu tome uma decisão sobre ti, és meu prisioneiro.
Lentamente, Amara aproximou-se, desembainhando um pequeno punhal. Depois, com uma precisão quase milimétrica, encostou a lâmina à garganta do príncipe, rasgando superficialmente a pele, de onde uma pequena gota de sangue brotou.
- Vamos ver as coisas da forma como elas são. – prosseguiu, fixando nos olhos de Adhemar uma expressão transbordante de ódio – Pesasse apenas a minha vontade e matar-te-ia agora a mesmo. Ocorre-me, contudo, que possa haver em Vareil quem saiba que ainda vives e seguramente virão à tua procura. Não posso correr o risco de desperdiçar um trunfo tão precioso. Portanto, de momento, tens duas hipóteses. Submetes-te e eu deixo-te viver por mais alguns dias… Devidamente vigiado e manietado, claro… Não creio que gostes de ser meu hóspede, mas é o que há. Esboça o mais pequeno gesto de recusa e juro-te que morres agora mesmo. E não vou ser rápida nem piedosa, Raven.
Adhemar deixou escapar dos lábios um leve sopro de ar. Depois, deixou que a tensão do seu corpo diminuísse, como se em resignação.
- Muito bem, principezinho. – observou Amara, sorrindo. Depois, voltando-se para os seus homens, ordenou:
- Provavelmente terá sido seguido. Os Raven dispõem de meios suficientes para encontrar o rasto de uma fuga apressada. Alguém virá e encontrar-nos-á. Mordechai… - disse, fitando o seu amigo – Divide em quatro grupos os soldados que estiverem prontos para lutar e tratai de vigiar as fronteiras de Varin. Alguns de vós encontrarão o inimigo… Que não haja misericórdia. Eles também não a teriam.
Mordechai assentiu, afastando-se. Entretanto, também os soldados que acompanhavam Amara tinham voltado a agarrar o corpo de Adhemar que, agora sem resistência, se deixava conduzir para longe daquela mulher do passado, a mulher que há muito julgava morta, mas que, em breve, seria a sua morte.
- Delenia. – disse Amara, enquanto os via afastar-se – Não sei porque o trouxeste até mim. Não vou sequer perguntar-te porque o salvaste, mas não sou ingénua ao ponto de não perceber que sentes por ele algo bem diferente do ódio. Vieste até nós, pelo que presumo que a tua honra falou mais alto. Mas considera isto como um aviso e um conselho… Se alguma vez puseres esse tipo de emoções acima da causa que defendemos, é melhor que partas para longe de nós, antes de nos traíres. Não quero ser eu a erguer a mão contra ti… Mas, se me obrigares a isso, não duvides que o farei.
- Eu trouxe-o. – replicou Delenia – E também não sei porquê, mas não o pude deixar morrer ali. Mas trouxe-to. É teu. Não vou fazer nada contra ti.
- Contra nós, Delenia. – corrigiu a líder – Contra nós. Existe nesta causa uma força muito mais importante que eu. A justiça.
Delenia assentiu.
- Sim… - concordou, pensativa – A justiça…
“Mas justiça para quem?”, acrescentou, em pensamento, enquanto a imagem do príncipe, acusando-a de traição, assomava aos seus pensamentos.

 

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