sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Capítulo II (Parte 4)

Também os pensamentos de Delenia se enredavam entre novelos de silêncio, enquanto sob a chuva tormentosa, caminhava em direcção a Vareil, a capital de Lithian, onde deveria cumprir o seu último e derradeiro objectivo.
Tal como muitos dos aliados de Amara Morningstar, também ela era uma proscrita, ainda que, contrariamente àquela que seguira, com um motivo bastante válido para o fazer. Nunca deixaria de ostentar no seu rosto as marcas que a haviam guiado ao crime, as cicatrizes que, com um ferro ao rubro, o homem a quem fora entregue lhe marcara no corpo. Demasiadas vezes o monstro a quem fora dada em casamento julgara, ao fitar os seus olhos atormentados, que ela se quedaria, sofrendo em silêncio ante as suas torturas. Mas naquela noite, na noite em que renegara a sua vida e fugira do reino que consentia com tais crimes, Delenia deixara a sua vingança na forma de uma lâmina cravada sobre o corpo do seu hediondo marido.
Quando cruzara a fronteira de Lithian, Delenia julgara ter pela frente uma existência de fuga, mísera e solitária, mas o que encontrara fora bem diferente. Encontrara Amara, e, com ela, uma promessa de lealdade, de tranquilidade e de vingança. No tranquilo refúgio de Varin, Delenia tornara-se forte e hábil, e, por dever a Amara a vida e a força que, um dia, lhe permitiria derrubar todos os homens, que via semelhantes à besta que repetidamente a torturara, ganhara para com a sua líder uma eterna dívida de gratidão.
E ali estava, finalmente, a poucos passos da vingança prometida, com a chuva por testemunha da sua persistência e as árvores sombrias como vigias da sua lealdade. Dentro de algumas horas, o sangue de um Raven mancharia as suas mãos e o fogo consumiria as ruínas daquela família. E ela, a assassina, a exilada, estaria na primeira fila para assistir ao fim dos seus inimigos. “Com um sorriso nos lábios”, pensou “e uma espada nas mãos.”

Entretanto, no seu sombrio gabinete, o conselheiro Lothian caminhava nervosamente, de um lado para o outro, tentando, em vão, impor silêncio às suas apreensões. Sabia que, algures na obscuridade, os restantes enviados da conspiração em que se envolveram, aguardavam o momento em que a sua missão seria finalmente cumprida. Ele, contudo, não conseguia silenciar as vozes que, no seu pensamento, lhe murmuravam que o plano de que eram parte não poderia deixar de acabar em fracasso.
Contava-se entre os poucos que conheciam a verdadeira identidade da força que liderava aquela conspiração. Na verdade, fora esse o motivo que levara a que desse a sua lealdade à mulher que se escondia sob a identidade de Amara Morningstar. A razão que a levava a comprometer a sua vida da forma como estava em vias de fazer, contudo, era outra. O seu ódio pelos Raven estendia-se, tal como o de Amara, à figura de Caledon Westraven, a quem, como recompensa pelos serviços prestados ao reino, fora cedido o título que anteriormente lhe pertencera, bem como as suas propriedades. Afinal, como o próprio rei dissera, enquanto o despojava de tudo o que tinha, um conselheiro deveria viver para o reino e não para as suas próprias posses.Silenciosamente, Lothian fitava o pequeno frasco que segurava nas mãos ligeiramente trémulas, um pequeno recipiente de vidro, completamente preenchido por um líquido escarlate, tão rubro como o sangue que, no dia seguinte seria derramado. O que precisava de saber, contudo, para obter alguma tranquilidade antes do dia seguinte, não seria revelado senão quando os acontecimentos se precipitassem. Que sangue mancharia as pedras de Vareil quando o próximo crepúsculo descesse...

 

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