sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Capítulo II (Parte 6)

Amanhecia, um dia que se prometia azul e luminoso, demasiado belo para o fatídico destino que sobre o seu tempo pairava. A luz invadia a terra, dispersando as sombras em formas mais nítidas e, perante o fatigado olhar da apreensiva Amara, a aurora revelava-se no renascer de todo o seu soberbo esplendor.
Na sua mente, contudo, parecia-lhe que não devia ser assim. Devia chover como se o próprio apocalipse ameaçasse descer sobre a cabeça dos homens, desfazendo em cinzas e sangue tudo o que a sua mão alcançasse. Os relâmpagos deviam rasgar os céus ao ritmo do trovão, abrindo ao funesto dia que surgia o presságio de uma morte em vias de caminhar entre os vivos.
Vingança… O sussurro da sedutora divindade pulsava-lhe nas veias como se um tambor ribombasse nos abismos. Aproximava-se o momento, a sua hora, quando o ódio que lhe alimentara alma e pensamento se tornaria, finalmente, real, mas, ainda assim, não conseguia evitar que uma vaga sensação de mau presságio lhe assombrasse o coração.
Quantas vidas arriscava, afinal, apenas para conquistar a morte dos seus inimigos? Porque, por mais que se tentasse convencer do contrário, e ainda que soubesse que a morte dos Raven faria de Lithian um lugar melhor, ela sabia que a força que ditava as suas acções não era assim tão nobre. Na verdade, os seus fins eram puramente egoístas. Queria a morte da criatura que lhe destruíra a vida e dos cruéis senhores que lhe haviam dado todo o seu apoio.
Silenciosamente, Amara desviou o olhar dos céus, preparando-se para entrar em casa. Com o florescer da manhã, sabia que o movimento despertaria na aldeia dos conspiradores e não queria que as suas apreensões perturbassem a tranquilidade daqueles que passara a ver, talvez com exagerada presunção, como o seu povo.
Quando se voltou, contudo, na direcção da sua casa, foi detida por um olhar intenso e luminoso que se fixava no seu, fitando-a com uma suave interrogação na sua expressão. Não sabia há quanto tempo ele estaria ali, mas, ainda que nada dissesse, sabia que ele compreendia os seus medos e que a preocupação que o seu rosto reflectia era, para ele, um maior motivo de perturbação que quaisquer conspirações que pudessem tramar.
- Tranquiliza-te, Amara. – disse Mordechai, suavemente – Sei que as tuas apreensões são plenamente justificadas pela situação, mas, ainda assim, a tua preocupação não vai mudar o que tiver de acontecer.
Amara assentiu.
- Eu sei. – murmurou – Mas pergunto-me se existirá perdão para a responsável por todas as vidas sacrificadas em nome da minha vingança…
- É mais que vingança, caríssima. – interrompeu Mordechai, colocando-lhe um dedo sobre os lábios – E, ainda que as tuas dúvidas te tentem persuadir do contrário, tu sabes que é verdade. Se a tua luta não fosse justa, não terias em teu redor os fiéis que tens.
Levemente, Amara sorriu.
- E tu, Mordechai… - disse – Tu, que me conheceste noutra vida, noutro nome… Quando eu não era mais que uma criança demasiado protegida pelo carinho dos meus pais. Que tinhas uma vida tão grande pela frente, jovem senhor de um grande nome e de um território próspero, mas que nunca deixaste de ser os meus olhos no mundo que me expulsou, que me procuraste para lá das fronteiras da nossa antiga vida, e que, agora, também foste condenado… Diz-me, lorde Mordechai Gray. É, ou não, verdade, que foi pela tua ligação a mim que foste condenado?
Mordechai hesitou, relutante em admitir aquilo que, ainda que nunca devidamente selado pelo nome da sua líder, não deixava de ser um facto incontornável.
- A verdade, meu amigo. – insistiu Amara, compreendendo as suas apreensões – Diz-me a verdade.
Lentamente, ele respondeu com um gesto afirmativo.
- A verdade – disse – é que houve uma voz que sussurrou aos ouvidos do rei o quanto eram suspeitas as minhas divagações pela fronteira. Não tardou muito até me acusar de conspiração e pedir o meu julgamento, mas… Ainda que eu tenha assumido o negro dos condenados, a verdade é que os Raven nunca me tiveram nas mãos. Não creio que estivesse vivo caso isso tivesse acontecido. O rei tem os seus informadores, mas eu também tinha os meus, e fui avisado a tempo de que fora decretada uma ordem de prisão contra mim.
- Uma voz que sussurrou aos ouvidos de Amon Raven… - repetiu Amara, intrigada – E, que, presumo, terá também garantido, com a tua condenação, a posse das tuas propriedades.
Mordechai assentiu.
- Caledon? – perguntou Amara, bruscamente, como se o nome que acabava de pronunciar fosse uma espécie de temível maldição.
- Caledon. – confirmou Mordechai, vendo, perturbado, a forma como um gélido sorriso ganhava, subitamente, vida nos lábios da sua amiga de sempre.
Lentamente, com a formalidade que usaria perante uma corte, Amara estendeu-lhe a mão para que ele a tomasse.
- No meu mundo, – prometeu, enquanto ele aceitava o seu gesto – voltarás a ser lorde Mordechai Gray. E, seja justiça ou vingança o nome do estandarte que seguramos, o sangue dos Raven há-de manchar o chão de Lithian.
» Quanto ao de Caledon… - acrescentou – Não terei paz enquanto não o vir nas minhas mãos.

3 comentários:

Cláudia Anjos Lopes disse...

Adorei esta última frase, sobre o sangue de Caledon. "Não terei paz enquanto não o vir nas minhas mãos" Simplesmente sublime.

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Uma promessa e um últimato. Veremos se se cumprirão ^^

Anónimo disse...

gostei deste capitulo. agora tou com curiosidade pa ver o que se vai passar nos proximos capitulos! sera k a Amara vai conseguir a sua merecida vinganca (ou justica) contra os Raven!? espero k sim! xD

Ryuzaki

 

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